Momento de transição

Momento de transição

Matriz energética do país está sendo repensada, devido aos elevados custos das grandes usinas e ao menor impacto ambiental de fontes alternativas.

A participação das hidrelétricas na geração será reduzida nos próximos anos. A matriz tenderá a ser mais distribuída ( com avanço da minigeração solar), diversificada, intermitente, complexa de operar (com mais parques eólicos e solares) e volátil com menor capacidade de armazenamento com a construção de empreendimentos hidrelétricos a fio d’água de capacidade. Entre 2013 e 2018, quando as usinas do rio Madeira e Belo Monte entrarem em operação, está prevista a entrada de 20 mil MW de capacidade hídrica no sistema, sendo que só 200 MW têm reservatórios. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018.

Em uma equação em que a carga cresce com o consumo e o armazenamento se estabiliza sem reservatórios, essa relação tende a cair ano a ano. “O Brasil começa  buscar outras alternativas além das hidrelétricas, com menor impacto socioambiental e avaliando às externalidades das fontes, como custo de transmissão, o que altera o custo global dos empreendimentos”, afirma Karin Luchesi, vice-presidente de operações de mercado da CPFL Energia.

Hoje o Brasil teria, segundo o governo federal, um potencial hidrelétrico estimado em 140 GW, sendo que 70% se concentram na região Amazônica, principalmente em três bacias de rios: Araguaia, Tapajós e Tocantins. Por duas décadas, o país não assistiu à construção de grandes hidrelétricas até a usina de Santo Antônio, cujas obras começaram em 2006. Belo Monte, no Pará, está prestes a iniciar sua geração. Mas a história dos empreendimentos apontaram que os custos ficaram acima do previsto, que as linhas de transmissão atrasaram e as discussões socioambientais até hoje rendem discussões na sociedade. “O setor elétrico ruma para o empoderamento do consumidor, ele não apenas começa a poder gerar sua própria energia, mas também começa a discutir os impactos de cada fonte na matriz”, diz Karin.

“As hidrelétricas começam a ser repensadas, elas têm um custo de geração mais baixo que outras fontes, mas é preciso avaliar outras externalidades, como a necessidade de construção de mais de dois mil quilômetros de linhas de transmissão, porque não há carga na região Norte para consumir essas usinas. A matriz será mais distribuída, estamos em um momento de transição”, diz Thais Pradini, da Thymos Energia. Além das questões socioambientais, os empreendedores e financiadores de hidrelétricas estarão de olho em outro ponto que ganhou relevância no setor com a estiagem de 2014 e 2015: o Generation Scaling Factor (GSF), o que pressionará mais o custo marginal de expansão do sistema hidrelétrico.

Quando as chuvas não vêm, as turbinas hidráulicas não funcionam a plena carga, enquanto as usinas termelétricas têm de funcionar sem interrupção para poupar os reservatórios. Sem poder atender aos contratos firmados com seus compradores, os geradores têm de ir ao mercado comprar a energia que não puderam gerar pela estiagem. Há dúvidas se o regime hidrológico de 2015 foi exceção ou se reflete as mudanças climáticas e seus impactos, o que poderia afetar o fluxo de caixa do projeto com mais regularidade ao longo do contrato.

O atraso das linhas de transmissão complica o problema. O governo editou regulação em 2016 para resolver o problema, que atingiu o caixa das geradoras nos últimos dois anos. No mercado cativo, a solução agradou às empresas que aderiram à ideia, mas no mercado livre não houve grande adesão, o que tem levado à inadimplência na Câmara de Comercialização de Energia (CCEE). “Os geradores estão se perguntando quais são os custos que cabem a eles, se é um risco hidrológico, se é a mudança da matriz para hidrotérmica, sobre os atrasos nas linhas de transmissão. Então é esse custo que será alocado nas novas hidrelétricas e na conta dos investidores”, afirma Karin. “A construção de novas hidrelétricas fica ameaçada sem uma resolução estrutural do GSF, porque há uma judicialização em relação ao tema e uma inadimplência que supera R$1 bilhão”, analisa Raphael Gomide, sócio do Demarest Advogados.

Para Gomide, a discussão passa ainda pela revisão das garantias físicas dos contratos das hidrelétricas, que deveria ter sido conduzida pela primeira vez no fim dos anos 1990, mas cujo debate se arrasta há anos. A garantia física de uma usina corresponde ao valor máximo de energia que ela pode vender no mercado. Essa revisão deveria ser feita a cada cinco anos ou na ocorrência de fatos relevantes para cada usina. Estimativas apontam que o setor opera com uma garantia física superestimada, ou seja, a hidrelétrica não consegue entregar o que prometeu ao sistema. Isso ocorre seja por equipamentos menos eficientes, seja por assoreamento dos rios. Essa revisão, que mostraria a real potência do sistema elétrico e a necessidade de expansão futura, pode comprometer o caixa das hidrelétricas.

Contratadas na década passada, as maiores usinas recentes do país – Belo Monte (PA), Santo Antônio (RO), Jirau (RO) e Teles Pires (TO)- estão em operação integral ou gradual e são as principais responsáveis pelo aumento da potência instalada do sistema, em um momento em que a recessão econômica reduz o consumo. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2016 a fonte que mais cresceu em números absolutos foi a de grandes usinas hidrelétricas, com mais de 5 mil MW, 53% do total acrescentado no ano passado. A usina de Belo Monte, responsável por 21% do aumento da capacidade instalada para geração de energia em 2016, mais uma vez, vai contribuir para esse incremento.

Para este ano, a Aneel estima aumento de 7.120 MW de capacidade instalada no sistema nacional. A fonte com maior expectativa de crescimento absoluto é a hidrelétrica, com cerca de 4 mil MW. Em janeiro, a usina Belo Monte chegou a dez unidades de geradores em operação. Até o momento, o empreendimento possui capacidade instalada de 2.677 MW e integra o rol dos dez maiores geradores de energia do Brasil. A conclusão do empreendimento está prevista para 2019. No mercado, há preocupação em relação à obtenção de licença ambiental para a construção da linha de transmissão que irá escoar a energia para o Sudeste. Temem-se atrasos.

Outros projetos foram inaugurados. Em dezembro, após sete anos de obras, foi inaugurada no rio Madeira, em Rondônia, a usina de Jirau, a fio d’água, com capacidade instalada de 3.750 megawatts (MW) e garantia física de 2.205,1 MW.

A usina de Santo Antônio também foi concluída em 2016, com a entrada em operação comercial da 44ª turbina e a finalização da implantação das seis turbinas adicionais, cuja geração será dedicada para Rondônia e Acre. No total, foram 50 turbinas com capacidade instalada de 3.568 MW. No fim de 2016, a Aneel liberou a operação comercial das três últimas unidades geradoras da hidrelétrica Teles Pires, no rio Teles Pires, nos municípios de Jacareacanga, no Pará, e de Paranaíta, em Mato Grosso. Com a decisão publicada, a usina ficou liberada para operação comercial, com cerca de 1.820 MW de potência instalada, suficiente para abastecer um Estado como Santa Catarina. O consórcio responsável pela implantação e operação da usina é formado pela Neoenergia (51%), Fumas (24,5%) e Eletrosul (24,5%).

Com o término dos grandes empreendimentos hidrelétricos, novas obras são incertas para os fabricantes de equipamentos. “Há preocupação, porque não existe no cenário previsão de empreendimentos sendo licitados nos próximos dois anos, o que pode levar a demissões e menos investimentos no parque instalado”, diz o executivo de uma das maiores fabricantes de bens de capital. No planejamento do governo, os maiores destaques estariam por conta de dois dos maiores projetos futuros na região Norte, ambos no rio Tapajós (PA): a usina de São Luiz do Tapajós, com 8 mil MW de potência e investimentos de R$ 26 bilhões, e a de Jatobá, com 2,3 mil MW de capacidade instalada e recursos previstos em R$ 10 bilhões. O governo Dilma Rousseff acenava com a licitação de São Luiz do Tapajós neste ano, mas a ideia foi abandonada pelo presidente Michel Temer.

Primeiro, há a questão da sobrecontratação de energia no setor elétrico. A recessão se combinou à entrada de grandes projetos. Resultado: sobra mais de 7 GW de energia no mercado, o que pode continuar deixando as distribuidoras sobrecontratadas até 2019. “Em 2020, pode depender da retomada do crescimento econômico”, diz Karin. Segundo ele, o governo federal está passando um pente fino em projetos licitados nos últimos três anos para avaliar as reais chances de saírem do duas térmicas do grupo gaúcho Bolognesi, com 2,4 mil MW de capacidade, que deveria entrar em operação em 2019, mas foi adiado para 2021.

Há incertezas ainda sobre parques solares. No leilão das primeiras usinas solares, em novembro de 2014, foram contratados pouco mais de mil megawatts desses empreendimentos, com preço médio de R$ 215, a um câmbio de R$ 2,6. Após a eleição e a crise política, o câmbio mudou de patamar, tornando a equação de fechar contratos com fornecedores de equipamentos mais complexa. Nas contas de duas consultorias, metade das usinas contratadas não deve entregar os projetos.

Por fim, em 2016, o Ibama pediu o arquivamento da licença ambiental da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, motivado por razões legais – a usina alagaria o território indígena Munduruku e obrigaria a remoção de aldeias, o que é proibido pela Constituição. Foram também apontadas falhas nos estudos de impacto ambiental. Segundo o documento, o projeto apresentado e seu respectivo Estudo de Impacto Ambiental (ElA) não possuem conteúdo necessário para a análise de viabilidade, tendo sido extrapolado o prazo para a complementação exigida pelo Ibama, possuindo impedimentos nas questões indígenas.

Uma das ideias no debate foi dada pelo então presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, que apresentou um projeto sugerindo que os índios pudessem receber royalties de empreendimentos que os afetassem diretamente. Em vez de irem para o orçamento da Funai, os recursos seriam gerenciados por um comitê tripartite, formado por comunidade, investidores e Funai.