Novo Marco Regulatório do Setor de Energia – Alterações Propostas pelo MME

Novo Marco Regulatório do Setor de Energia – Alterações Propostas pelo MME

Os graves problemas físicos e comerciais enfrentados pelo setor de energia elétrica nos últimos anos ficaram conhecidos publicamente. A Medida Provisória 579, a crise hídrica, o desvirtuamento da destinação dos encargos setoriais, as distorções nos subsídios existentes, os despachos térmicos, os atrasos na construção de empreendimentos, a sub e a sobrecontratação das distribuidoras, além de outras questões, formam o imenso e intenso pacote de medidas cujo efeito foi o aumento das tarifas pagas pela categoria de consumo, além de uma avalanche de ações judiciais que questionam intervenções abruptas no complexo e sensível setor de energia.

O modelo vigente, sustentado pelas Leis nº 10.847 e 10.848 e pelo Decreto nº 5.163, todos de 2004, mostrou alguns sinais de esgotamento, de modo que o Ministério de Minas e Energia – MME instaurou as Consultas Públicas nº 32 e 33 de 2017, inaugurando um ambicioso trabalho para discutir novos marcos regulatórios para o setor elétrico.

Até o momento, a Consulta Pública nº 32/2017 está acompanhada dos seguintes documentos: a) Princípios para a Reorganização do Setor Elétrico; e b) Nota Técnica nº 11/2017/SE. Já a Consulta Pública nº 33/2017, por sua vez, conta com os seguintes documentos: a) Nota Técnica Nº 5/2017/AEREG/SE; e b) Perguntas frequentes realizadas sobre a Consulta Pública 33 – v.19.07.17.

Em resumo, temos os seguintes pontos defendidos como essenciais para o aperfeiçoamento do setor (i) ajuste legal na Autoprodução; (ii) redução dos limites para acesso ao Mercado Livre; (iii) ajustes na formação de preço; (iv) redução de custos na transação de transmissão e geração; (v) separação de lastro e energia; (vi) novas diretrizes para fixação de tarifas; (vii) separação de fio e energia no segmento de distribuição; e (viii) medidas para afastar a judicialização (Reserva Global de Reversão – RGR, Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, Encargos de Serviços de Sistema – ESS e Risco Hidrológico).

As propostas colocadas para consulta foram inicialmente bem recebidas pelo setor, notadamente porque nasceram da reabertura do diálogo que o MME resgatou no setor, aliada com a inquestionável qualidade dos profissionais que estão liderando o assunto. Contudo, passado o momento de euforia inicial, e melhor analisadas as implicações de cada uma das propostas, algumas críticas começam a surgir.

Temas que pareciam ser consenso no mercado, como descotização das Usinas objeto da Medida Provisória 579/2012 e a separação dos produtos lastro e energia, estão se mostrando propostas mais complexas (ou menos simples) do que se imaginava. Para a primeira são vistas implicações quanto ao aumento da tarifa de energia para os consumidores cativos, e para a segunda surgem questionamentos sobre as incertezas na financiabilidade dos projetos de lastro.

Apesar das críticas do mercado e indicação do MME que o modelo de financiamento pelo ACR está “esgotado”, fato concreto é que o modelo atual foi sucesso na financiabilidade por meio de PPA’s de longo prazo oriundos dos leilões do Ambiente de Contratação Regulado – ACR. De outra banda, o Ambiente de Contratação Livre – ACL, apesar de corresponder a 30% do mercado e segundo dados divulgados possuir contratos de médio e longo prazo, não conseguiu sustentar o financiamento de empreendimentos. Apesar disso, é vital que o ACL participe da expansão do sistema, mitigando os custos dessa atividade que hoje são concentrados nos consumidores do ambiente regulado.

A proposta de descotização das usinas que entraram no regime de cotas previsto na MP 573/2012 por meio de privatização, também gera polêmica, em especial a respeito de sua finalidade.

Isso porque, sob o argumento de sanar a gestão do sistema Eletrobras e equacionar as despesas por meio de desinvestimento, a privatização será utilizada para equacionar as finanças públicas, com a destinação da maior parte do benefício econômico oriundo da venda das usinas para a União.

Outra mudança proposta é a separação do fio e da energia no segmento de distribuição, conceito conhecido como tarifa binômia. Neste modelo, a receita das distribuidoras será formada apenas pela disponibilização e operação da rede, ficando afastado o atual risco de compra de energia.

Ainda no segmento de distribuição, a proposta tenta retirar a responsabilidade de compra de energia das distribuidoras, passando a responsabilidade a uma centralizadora de contratos. Apesar de o MME indicar que essa centralizadora poderá ser a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), não se vislumbra outra instituição que possa desempenhar tal tarefa, em especial porque a Câmara tem desempenhado todas as relevantes responsabilidades que lhe foram sendo atribuídas nos últimos anos com capacidade técnica e regulatória ímpar.

A Nota Técnica busca dar solução também para a assombrosa judicialização que paira sobre o setor elétrico. Grandes temas, como GSF, CDE e a recente discussão sobre indenização para as Transmissoras — mais uma “herança” da MP 579/12 estão endereçados. As condições ainda serão detalhadas, mas o MME deixa em evidência que o acordo somente será possível mediante à renúncia das ações judiciais. Surgem críticas a esse respeito, no sentido de que poderá haver baixa adesão ao mecanismo de desistência das ações.

A respeito do GSF, no entanto, com a retroatividade de seus custos para o ano de 2013, é provável que o impasse com os geradores hidrelétricos finalmente termine. O período de retroatividade é maior do que o acordo anterior (2015), o que deve levar ao consenso entre as partes. Esse acordo é fundamental para as conhecidas liminares de “proteção”, ou “segunda” e “terceira” fase do MRE acabem perdendo a sua eficácia, com a entrada de recursos financeiros na Liquidação Financeira operada pela CCEE, ou possam finalmente ser revertidas pelas Instituições que defendem o setor em razão do posicionamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sobre a matéria.

Já o parcelamento dos débitos judiciais da CDE não deve motivar os grandes consumidores à desistência das ações, isso porque, a discussão sobre a legalidade da cobrança dos montantes em razão de alargamento das finalidades da CDE conta com posicionamento favorável à tese dos consumidores no Poder Judiciário, não havendo incentivo concreto para a desistência das ações, pelo menos com base nessa proposta encaminhada.

A mais recente disputa, que diz respeito à indenização das Transmissoras, apenas deve acabar se o governo conseguir demonstrar que a RGR terá recursos para honrar com os montantes bilionários que estão em disputa.

Como se vê, antes de apenas reorganizar o setor elétrico, solucionando questões pontuais, a proposta do MME modifica substancialmente o modelo atual, traçando novos rumos na política energética nacional.

É inegável que as evoluções indicadas pelo Poder Concedente representam em sua maioria um importante passo na modernização do setor e o destravamento financeiro do Mercado, e serão importantes para corrigir diversos equívocos e intervenções indevidas do Governo no setor, mas os principais pontos ainda carecem de aprofundamento e maior detalhamento.

O governo corre contra o tempo e estipulou um cronograma apertado. As contribuições que antes deveriam ser recebidas até o dia 04 de agosto foram prorrogadas para até o dia 17 de agosto, mas o planejamento indica que todas as etapas do processo (análise de contribuições e apreciação do Congresso, além de detalhamento em decretos) estarão concluídos no início de 2018.

Em que pese o MME defender que o norte da reforma do setor de energia será a menor intervenção, não se pode deixar de destacar o risco de a Medida Provisória que irá consolidar os temas sofrer emendas desconectadas do tema original, entre outras interferências indesejadas, como ocorre normalmente no setor de energia, com alterações do texto original mediante contrabando legislativo. Recordemos que a última grande MP do setor que possuía como objetivo transferir para a CCEE a gestão de fundos setoriais na sua proposta inicial alterava 5 leis, no entanto, foi aprovada com alteração de 16 Leis.

Espera-se que a reforma construa soluções técnicas e consensuais, respeitando os contratos vigentes, com clareza sobre o período de transição, transparência e sustentabilidade, de modo que possa finalmente garantir a ampliação dos investimentos e o desenvolvimento de um setor que é vital para o país.