Outorgas de hidrelétricas e segurança jurídica

Outorgas de hidrelétricas e segurança jurídica

A Agência Nacional de Águas (ANA) está obrigando os geradores de energia elétrica a apresentar requerimento de outorga para uso do recurso hídrico, sob pena de advertência, multa e até embargo caso não os apresentem, mesmo reconhecendo a validade das outorgas existentes. Historicamente, as outorgas para exploração de potenciais energéticos eram objeto de ato específico do presidente da República, disciplinadas pelo Código de Águas (Decreto 24.543 de 1934). Desde então, ocorreram várias alterações no quadro legal e institucional.

Em 1997, foi aprovada a Lei 9.433, que instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos. Essa lei estabeleceu que o direito de uso dos recursos hídricos para exploração de potenciais hidrelétricos estava sujeito à outorga pelo poder concedente, ressalvando que, enquanto não fosse aprovado o Plano Nacional dos Recursos Hídricos, a utilização dos potenciais hidráulicos para geração de energia elétrica continuaria subordinada à legislação específica do setor.

Ainda em 1997, o Decreto 2.235 estabeleceu que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) seria responsável pela emissão das outorgas de uso dos recursos hídricos para aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, fato que só foi alterado em 2000, pela Lei 9.984, com a constituição da Agência Nacional de Águas (ANA). Em março de 2003, a ANA, reconhecendo a validade das outorgas existentes, emitiu a Resolução nº 131, estabelecendo que os detentores de concessão e de autorização de uso de potencial de energia elétrica hidráulica expedida até aquela data estariam dispensados de solicitar outorga de direito de uso dos recursos hídricos.

Os problemas começam em 2015, quando a Aneel e a ANA publicaram a Resolução Conjunta nº 1.305, ratificando o previsto na Resolução 131, de 2003, ou seja, dispensando os empreendimentos de solicitar nova outorga, mas obrigando-os a apresentar toda a documentação prevista para o pedido de outorga. A Resolução 1.305 parece muito confusa… e realmente é, porque a mesma agência reconheceu a validade das outorgas em vigor, mas obrigou os empreendimentos a enviar toda a documentação como se fossem solicitar uma nova outorga.

E a confusão não parou por aí. A ANA, como se rasgasse as outorgas de uso do recurso hídrico existente (a outorga é o documento que dá estabilidade jurídica para o funcionamento de aproveitamentos hidrelétricos), publicou, em 2016, a Resolução 436, obrigando os titulares de concessões ou autorizações de empreendimentos hidrelétricos que não somente entreguem a documentação, como também solicitem à ANA a outorga de direito de uso dos recursos hídricos.
Por que uma agência reguladora exigiria de um empreendimento (que possui outorga válida, emitida pelo agente da ocasião, seja ele o presidente da República, o Dnaee, ou a Aneel) a outorga ou mesmo o envio da documentação de solicitação de uma nova outorga? Transparece o risco de cassação das outorgas que, até então, eram consideradas válidas e vigentes, o que gerou extrema insegurança jurídica junto aos detentores de outorga. A agência reguladora – instituição de Estado voltada ao horizonte de longo prazo e sem agendas políticas, ideológicas ou de curto prazo – deve ser uma promotora da estabilidade jurídica e regulatória, especialmente num momento de crise econômica como o atual.

A insegurança jurídica provocada pela burocracia sem propósito acima precisa ser interrompida. Afinal, as outorgas de uso de recurso hídrico possuem períodos de vigência que devem ser respeitados. Se existe a necessidade de atualização do cadastro dos detentores de outorgas, esse objetivo precisa ser definido de forma clara e pontual, sem gerar custos e trabalhos desnecessários para as empresas e para o Poder Judiciário. Está na hora de eliminar de nosso país episódios que contribuem para o aumento do chamado Custo Brasil.