Subsídios serão um teste para a modernização

Subsídios serão um teste para a modernização

O Tribunal de Contas da União incluiu entre as ações prioritárias do plano de gestão dos próximos dois anos a realização de auditoria no modelo do setor elétrico brasileiro. O levantamento não está atrelado necessariamente à aprovação da proposta de reestruturação do setor pelo Congresso Nacional, mas a ideia é esmiuçar os pontos chaves da modernização em suas várias dimensões, o que inclui a política de subsídios atualmente em vigor.

Tema importante na discussão do modelo, o custo crescente das políticas públicas de concessão de descontos tarifários a segmentos específicos foi analisado de forma mais abrangente pelo TCU, a partir de auditoria realizada em 2018 nas despesas da Conta de Desenvolvimento Energético. Com base em entendimento do Supremo Tribunal Federal, o tribunal apontou como inconstitucionais e ilegais vários subsídios que embora não tenham qualquer vinculação com o setor elétrico são custeados pelo consumidor de energia.

Chamados no TCU de “subsídios alienígenas”, esses descontos beneficiam produtores rurais, irrigantes, aquicultores e empresas de saneamento. Com base na constatação de que o custo não poderia ser imputado só consumidores, o tribunal determinou inicialmente que eles fossem retirados do orçamento da CDE para 2020. Em um segundo momento, foi feita a reavaliação dos efeitos dessa decisão e a determinação foi para que o Ministério de Minas e Energia acelere a implantação do Plano Estrutural de Redução de Subsídios estabelecido em lei.

Foram feitas recomendações também em relação aos descontos tarifários aplicados ao setor, como a redução das tarifas de uso para fontes renováveis. A orientação, neste caso, é de que eles sejam analisados sob o ponto de vista da eficiência da politica pública. Auditores do tribunal chamam a atenção para subsídios existentes há 20, 30, 40 anos, sem nenhuma análise de impacto feita durante esse período.

Pelo segundo ano consecutivo, o orçamento total da CDE vai ultrapassar R$ 20 bilhões em 2020. Entram nessa conta o pagamento da geração termelétrica nos sistemas isolados pela Conta de Consumo de Combustíveis; a subvenção do carvão mineral; a tarifa social de baixa renda; descontos nas tarifas de uso de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) para pequenas hidrelétricas, usinas fotovoltaicas, eólicas, térmicas a biomassa e cogeração qualificada; descontos nas tarifas de energia elétrica para consumidores rurais, irrigantes e aquicultores; descontos para empresas de saneamento e serviço público de irrigação; universalização (Luz para Todos); descontos nas tarifa de energia para distribuidoras de pequenos porte e subvenção econômica para cooperativas de eletrificação rural com reduzida densidade de carga.

Relatório elaborado pelo grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia que discutiu em 2018 o Plano de Redução Estrutural das Despesas da CDE recomendou que os subsídios sem relação direta com o setor elétrico deveriam ser custeados com recursos do orçamento geral da União e repassados diretamente aos beneficiários, sem transitar pela conta setorial. O documento também propôs a extinção gradual dos descontos tarifários, no formato que existiam na época.

Entre as sugestões apresentadas estava o estabelecimento em lei de um teto para as despesas anuais da conta, com a definição de procedimentos de eliminação de custos, caso o limite de gastos fosse atingido. Isso evitaria “disputas complexas no setor, com mais judicialização e, possivelmente, embates políticos no Congresso Nacional ou reajustes tarifários extraordinários ou, ainda, em risco financeiro para as distribuidoras.” O primeiro teto corresponderia ao orçamento de 2018, que seria corrigido anualmente pelo IPCA.

Foi recomendada ainda a priorização de despesas já na definição do orçamento; aprimoramento dos desenhos dos subsídios, já que a maioria deles não exige contrapartida dos beneficiários; definição de critérios de saída e limitação do prazo de vigência e da cumulatividade dos descontos.

O plano apresentado, segundo a secretária-executiva do MME, Marisete Pereira, apontou quais eram as medidas que o governo poderia adotar, e que, de fato adotou. O que dependia de aprovação pelo Congresso Nacional foi enviado como contribuição do ministério ao Senado, para inclusão no PLS 232, que trata da modernização do setor elétrico.

Um decreto publicado ainda no governo Temer estabeleceu a redução gradual, por um período de cinco anos, dos subsídios concedidos a consumidores rurais e a empresas de saneamento. No governo Bolsonaro, foi feita uma alteração também por decreto para permitir que a cumulatividade de descontos por um mesmo consumidor também seja reduzida gradualmente.

“Se você de fato tem instrumentos para fazer a alocação eficiente de custos e de riscos, termina evoluindo nessa questão de subsídios” pondera Marisete, lembrando que esse é um trabalho gradual e permanente dentro do processo de modernização. “As medidas, por si só, são medidas que vão demandar, para ter efeitos, mais de três, quatro anos. Não tem milagre. Até porque o Brasil é um pais respeitado por honrar contratos. Por mais que a gente queira oferecer à sociedade um preço competitivo, a gente tem que respeitar, porque é isso que tem resultado nos nossos investimentos.”

O  substitutivo do senador Marcos Rogério (DEM-RO) ao PLS 232 prevê que os subsídios concedidos atualmente às fontes alternativas de geração, na forma de descontos nas tarifas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd) de energia elétrica, serão substituídos por um instrumento que valore o benefício ambiental dessas fontes. O projeto estabelece prazo de 18 meses para que o governo elabore um plano nessa direção, estabelecendo instrumentos que compensem as fontes de geração de baixa emissão  ou exijam compensação das fontes ou empreendimentos de geração com elevada emissão de gases.

O texto mantém ainda os subsídios e as fontes de custeio dos sistemas isolados, da tarifa social de baixa renda e do programa de universalização Luz para Todos. Essas políticas são mantidas pelos consumidores, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético.

Estudo feito pela PWC e Instituto Acende Brasil com base em dados de 2018, mostra que a carga consolidada de tributos e encargos dos segmentos de geração, transmissão e distribuição atingiu naquele ano o patamar de 49,80% do total da receita bruta operacional das empresas. Os encargos setoriais somaram 12,9 pontos percentuais desse total. A arrecadação total foi da ordem de R$ 86,6 bilhões. O detalhe é que tanto tributos quanto encargos são pagos, em última instância, pelo consumidor de energia elétrica.

Levantamento feito pela TR Soluções, empresa de tecnologia aplicada ao setor elétrico, sobre o impacto dos encargos setoriais nas tarifas entre 2012 e 2020, mostra oscilações nesse período, com picos de alta nos anos de 2015 (15% na média Brasil) e 2016 (17% também na média do país). Para este ano, o impacto tarifário médio estimado é de 13%.

O calculo do custo da CDE foi feito sobre a tarifa sem impostos e sem considerar eventuais adicionais de bandeira tarifária.
O diretor de Regulação da TR Soluções, Helder Sousa, destaca que o aumento em 2015 é consequência da suspensão dos aportes do Tesouro Nacional na Conta de Desenvolvimento Energético. Desde aquele ano, nenhum novo desembolso foi feito pelo governo, o que explica também o valor médio elevado de 2016.

Em 2017, o impacto médio para todos os consumidores ficou em 8% com a redução das despesas da CDE no ano. Em 2018, como o valor da tarifa média teve aumento significativo, em razão do impacto do custos com compra de energia, o peso dos encargos no índice médio de reajuste caiu para 7%.

Para representantes de consumidores de energia elétrica, as perspectivas não parecem ser as mais animadoras, já que a carga de subsídios tem se mantido crescente nos últimos anos. Paulo Pedrosa, da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, alerta que o modelo de redistribuição de custos para atender interesses de segmentos específicos esgotou. “É o momento de começar a desconstruir” diz o executivo, que defende a aceleração do processo de modernização, para que haja uma pressão competitiva no setor elétrico.

“Parece que a gente está na contramão do que deveria ser feito. Tem pressão do setor, do governo, do Congresso Nacional. É natural. O setor regulado oferece a mágica da rentabilidade fácil. Muitos dos programas prioritários procuram se apoiar nessa possibilidade”, pontua o presidente executivo da Abrace.

O presidente da Associação Nacional de Consumidores de Energia, Carlos Faria, destaca que a conta está cada vez mais pesada. “Os encargos e tributos chegam a 48% da cota. Sem contar os subsídios cruzados, risco hidrológico, energia de reserva e mais esse papo recente da geração distribuída”, afirma Faria. Para o executivo, mais do que rever o que está posto, é preciso reavaliar a forma como as despesas são criadas.

“Essa despesa não acaba nunca porque da geração, transmissão e distribuição até chegar ao consumidor não há nenhum segmento que não leve o seu pedaço de subsídios”, afirma o dirigente da Anace. Ele defende que mesmo os subsídios que são justificáveis devem tem um tempo definido para serem aplicados.

O coordenador do Programa de Energia do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Clauber Leite, afirma que o mais prejudicado quando se cria um novo benefício subsidiado por alguém é sempre o consumidor que não tem o poder de pressão de setores como a indústria, ruralistas e outros segmentos empresariais. “Existe essa tentativa, sim, de reduzir subsídios, mas a gente não acha que está sendo feito com muito rigor, com muita vontade, porque, ao se reduzir tarifa, tem impactos diretos na arrecadação. Existe toda essa discussão sobre o ICMS. Os próprios estados não tem esse desejo de reduzir a tarifa, e isso também acontece em nível federal”, acredita o técnico do Idec.

Por isso, afirma o técnico, além de estar na reforma do setor elétrico, essa discussão tem que ser tratada na reforma tributária, que o governo espera aprovar no Congresso ainda esse ano. Leite diz que a divisão do custo de políticas públicas entre os consumidores é mais pesada que para o contribuinte, porque tem menos gente para assumir o custo do subsídio.