70 milhões sem luz

70 milhões sem luz

Blecaute

Falha em subestação de linha de transmissão de Belo Monte provoca apagão no Norte e Nordeste

 

Uma falha na recém-inaugurada linha de transmissão que leva eletricidade da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para o restante do país interrompeu ontem o fornecimento de energia em 14 estados das regiões Norte e Nordeste, atingindo cerca de 70 milhões de pessoas. Também houve cortes isolados em outras partes do Brasil, inclusive no Rio. Ao todo, as regiões afetadas correspondiam a 22,5% da carga total do Sistema Interligado Nacional (SIN) no momento da falha. Foi o maior apagão a afetar Norte e Nordeste desde 2010, quando praticamente todos os estados dessas regiões ficaram sem luz.

A falha do sistema, que ocorreu no meio da tarde, teve reflexos ainda em estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste por causa de um mecanismo previsto no sistema para evitar que um blecaute atinja todo o país. No Rio, pelo menos 533 mil consumidores ficaram sem energia em 16 municípios. Na capital, segundo a Light, 321 mil clientes em bairros das zonas Norte e Oeste, como Jacarepaguá, Campo Grande, Penha e Inhaúma, ficaram sem luz por três minutos. Nas áreas da Região Metropolitana, como Niterói e São Gonçalo, abastecidas pela Enel, foram cerca de 12 minutos.

O apagão causou mais transtorno para quem vive no Norte e no Nordeste. Na maioria das cidades dessas regiões, durou mais de três horas. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), o incidente ocorreu às 15h48m. Até as 20h de ontem, 40% do Nordeste permaneciam sem energia. Em estados como Pará e Rio Grande do Norte, todos os municípios foram atingidos. Todos os estados nordestinos foram afetados. Na Região Norte, apenas Roraima e Acre, que não integram o SIN, não foram atingidos.

Segundo o governo e o ONS, o motivo para o blecaute foi falha técnica na linha de transmissão da concessionária Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE). O problema foi num disjuntor de uma das estruturas de transmissão na subestação Xingu, que recebe a energia da hidrelétrica.

— Recebemos informações de que houve tomada de carga de Belo Monte, que vinha operando em 2 mil megawatts e iria para 4 mil megawatts. Essa linha saiu (do sistema). No momento, a carga no país era de 80 gigawatts e o sistema perdeu 18 gigawatts, uma perda bastante significativa. Logo após o incidente, a carga começou a ser restabelecida. Mas como a perda foi significativa, isso leva um tempo — disse o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.

A empresa Norte Energia disse que o apagão não tem relação com a usina de Belo Monte. Já a BMTE disse que o motivo do desligamento está em análise, mas atribuiu a falha a um “mal funcionamento da proteção do disjuntor” na subestação Xingu.

 

FALHA EM MOMENTO DELICADO PARA O GOVERNO

O apagão vem em um momento em que o governo tenta alterar as regras do setor elétrico, tenta privatizar a Eletrobras (principal empresa da área no país) e discute a sucessão no Ministério de Minas e Energia. Coelho Filho filiou-se ontem ao PMDB para tentar se reeleger como deputado federal por Pernambuco este ano.

O chamado linhão de Belo Monte entrou em operação em dezembro do ano passado, antecipando em dois meses o cronograma inicial. A linha, orçada inicialmente em R$ 5 bilhões, tem 2.076 quilômetros de extensão e passa por quatro estados. A construção foi interrompida em 2015 após a espanhola Abengoa abandonar as obras alegando dificuldades financeiras. Após atrasos, o projeto foi assumido pela chinesa State Grid, que já era responsável, com a Eletrobrás, por outra parte da linha de transmissão.

A falha aconteceu no projeto que a State Grid assumiu da espanhola Abengoa. A linha estava em testes desde o fim de semana e aumentando gradativamente a sua potência. A queda ocorreu por conta de erro na calibração do disjuntor, equipamento que faz o controle automático da energia que passa pela linha. Segundo fonte no governo, o componente estava calibrado para receber até 3.700 megawatts (MW) de potência, em vez de mais de 4 mil MW, como previsto inicialmente. Quando a transmissão atingiu volume mais alto, o disjuntor simplesmente desligou, paralisando o resto da rede.

No fim de janeiro, esse mesmo linhão sofreu outro desligamento que afetou alguns estados de maneira isolada. Apesar disso, o ministro das Minas e Energia disse que a linha não é frágil: — A linha tem condições de suportar isso. Roberto Pereira D’Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), avalia que apagões como o de ontem refletem os problemas estruturais do sistema elétrico brasileiro. Ele critica a construção do linhão de Belo Monte de forma fragmentada, envolvendo diferentes fornecedores:

— Quem mais sofre é a Região Nordeste, que está vulnerável a isso tudo, pois enfrenta uma grave crise hídrica. Por isso, a região demorou mais para ter sua energia restabelecida.

O efeito dominó na queda de energia ocorre porque a rede de Belo Monte está conectada por essa linha de transmissão ao SIN, que interliga todos os estados do país. O fornecimento demora para ser restabelecido porque precisa ser feito aos poucos, para não sobrecarregar o sistema ou deixá-lo com excesso de energia. O governo, contudo, diz que não há risco de novos apagões.

— O sistema hoje tem condições de atender a toda carga sem risco. Todos os indicadores que temos é que o sistema vinha atuando com bastante robustez — disse o diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata. — A relação entre capacidade de geração e demanda era bastante folgada.

Em Maceió, alunos recorreram à iluminação do celular para concluir uma prova

 

-RECIFE, SALVADOR, TERESINA, NATAL E BELÉM

Sinais de trânsito desligados, congestionamento e lojas fechadas foram alguns dos transtornos causados pelo apagão que atingiu principalmente cidades do Norte e Nordeste. Quem foi liberado mais cedo por causa da falta de energia teve de enfrentar caos no transporte público. Filas em pontos de ônibus foram frequentes nas principais capitais das duas regiões afetadas.

Em Natal, Rio Grande do Norte, a falta de sinalização dos semáforos fez o trânsito da capital ficar lento. Agentes de trânsito se posicionaram nos principais cruzamentos para evitar acidentes. Mas não impediram a formação de congestionamento nas avenidas Senador Salgado Filho e Bernando Vieira, que ligam os principais bairros da cidade.

Sem energia, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Potiguar, maiores centros de ensino da cidade, suspenderam as aulas. Hospitais precisaram usar geradores e suspender as visitas.

O incidente causou prejuízo para o comércio em várias cidades. Em Teresina, Piauí, a lojista Maria Alice ficou pelo menos três horas sem energia.

— Tenho um pequeno comércio e estou preocupada em perder cerveja, iogurte e outros produtos perecíveis, como queijo — relatou.

 

COMÉRCIO À LUZ DE VELAS

Lojas em Belém, no Pará, passaram pelo mesmo transtorno. Muitos decidiram fechar as portas por medo de assalto e furto. Mas alguns estabelecimentos resolveram permanecer abertos à luz de velas.

Usar iluminação alternativa foi a solução encontrada por alunos de Relações Públicas da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que recorreram às lanternas do celular para fazer uma prova, segundo informações do portal G1.

— Quando eu apliquei a prova, ainda tinha energia. Já no fim da prova, faltou luz. Aí usamos o celular para concluir — contou o professor Daniel Ziliani ao portal. (* Especial para O GLOBO)