A proposta de mudança da norma de geração distribuída de energia
Por Isabella Martinho Eid Magdesian*
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) realizou consulta pública (nº 025/2019), aberta em 17 de outubro e encerrada em 30 de dezembro último, relativa à proposta de revisar sua Resolução Normativa 482/2012, referente às regras aplicáveis à mini e microgeração distribuída, no tocante ao sistema de compensação de créditos. A possibilidade de modificação da norma em 2019 foi prevista pela Resolução 687/2015, que alterou a primeira, com os seguintes objetivos: reduzir os custos e tempo para a conexão da microgeração e minigeração; compatibilizar o Sistema de Compensação de Energia Elétrica com as Condições Gerais de Fornecimento (Resolução Normativa nº 414/2010); aumentar o público alvo; e melhorar as informações nas faturas.
Com a Resolução 687, cujos efeitos tornaram-se vigentes em 1º de março de 2016, é permitido o uso de qualquer fonte renovável, além da cogeração qualificada. É definida como microgeração distribuída central geradora com potência instalada até 75 quilowatts. Minigeração distribuída é aquela com potência acima de 75 quilowatts e menor ou igual a cinco megawatts. Ambas são conectadas à rede de distribuição por meio de instalações de unidades consumidoras.
Quando a quantidade de energia gerada em determinado mês for superior à consumida no período, o consumidor fica com créditos que podem ser utilizados para diminuir a fatura dos meses seguintes. O prazo de validade dos créditos é 60 meses, sendo que também podem ser usados para abater o consumo de outras unidades consumidoras do titular, desde que da mesma companhia distribuidora. A geração distribuída pode, ainda, ser implantada em condomínios. Nesses casos, a energia gerada deve ser repartida entre os condôminos em porcentagens definidas pelos próprios consumidores.
A Resolução Normativa 482, há oito anos, e as mudanças introduzidas em 2015 pela 687, tiveram o propósito de estimular a produção de eletricidade pelos próprios consumidores, permitindo, ainda, que instalassem painéis solares (ou outra solução com fontes renováveis) para gerar sua energia e/ou fornecessem o excedente à rede da distribuidora, usando-o como créditos a serem abatidos na fatura dos serviços. Desde a regulamentação, segundo a Aneel, foram instaladas mais de 120 mil unidades consumidoras com micro ou minigeração, totalizando mais de 1.300 megawatts. Ademais, houve redução de 43% do preço dos painéis solares, que representam 98% do total. Porém, não há mais, na visão da agência, necessidade de incentivo, pois o mercado estaria equilibrado e consolidado.
Para se entender melhor a questão mercadológica, há duas formas de uso da energia produzida pelos micro e minigeradores: acumular a eletricidade em baterias para posterior utilização; ou injetá-la diretamente na rede elétrica, fazendo jus ao crédito. Esta segunda opção, que é o objeto da consulta pública aberta pela Aneel, responde por 40% do total gerado por painéis solares domiciliares, conforme dados da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).
No que diz respeito às mudanças propostas agora pela agência, cabe observar que, na regra atual, quando a compensação de energia ocorre na baixa tensão, quem tem geração distribuída não paga todos os componentes da tarifa de fornecimento sobre a parcela consumida, que é compensada pela eletricidade injetada no sistema pelos microgeradores. A Aneel explica que as alterações sugeridas equilibram a regra para que esses consumidores passem a pagar os custos e encargos referentes ao uso da rede de distribuição. No entendimento da agência, a mudança permitirá que a modalidade amplie-se de maneira sustentável, sem impactar a tarifa dos que não participam da geração.
A proposta submetida à consulta pública apresenta regras de transição. Os que já têm geração, incluindo empresas e produtores rurais, permanecerão isentos até 2030. Os que solicitarem a instalação após a publicação da nova norma, prevista para 2020, passarão a pagar de imediato o custo da rede.
Não se conhece ainda qual será o desfecho da proposta. O presidente da República, Jair Bolsonaro, manifestou-se contrariamente à medida e poderá barrar a iniciativa, com fundamento no artigo 2º da Lei Federal 9.427 de 1996, que criou a Aneel, no qual se explicita que a agência deve atuar “em conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal”.
Há, de um lado, uma questão técnico-econômica alegada pela Aneel e, de outro, um posicionamento político do governo. Entre ambos, coloca-se a consulta pública, que deverá ter um peso na decisão final, pelo menos se considerarmos que seus fundamentos jurídicos são congruentes com os princípios do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição de 1988.
*Isabella Martinho Eid Magdesian, bacharel e mestra em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é advogada do De Vivo, Castro, Cunha e Whitaker Advogados