CCEE vai assumir em maio gestão de encargos setoriais
A partir de maio, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) assumirá uma nova atribuição: a gestão das contas de encargos setoriais, com um orçamento bilionário, substituindo a Eletrobras.
A CCEE vai administrar o orçamento de R$ 13,9 bilhões da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial que tem a função de prover recursos para o custeio de políticas públicas do setor elétrico. Desde 2013, a CDE inclui também os recursos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e da Reserva Global de Reversão (RGR).
A mudança foi bem recebida pelos agentes do setor elétrico. A gestão da Eletrobras foi sempre questionada, por motivos como falta de transparência e suposto conflito de interesses da estatal na administração dos recursos.
Atualmente, a Eletrobras discute com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a necessidade de devolver um montante histórico de cerca de R$ 2 bilhões, referente a recursos da Reserva Global de Reversão (RGR) que foram apropriados indevidamente pela empresa na qualidade de gestora das contas. O valor atualizado supera R$ 7 bilhões.
“No momento em que migrarem para a CCEE, a câmara vai se responsabilizar pelas contas. Sobre o passado, cabe à Aneel”, disse Rui Altieri, presidente do conselho da câmara. A CCEE está na fase de mapear processos e criar seus próprios sistemas para a gestão dos recursos. “Essa fase está andando muito bem. Nos dá segurança de que as contas vão migrar de maneira tranquila e sem sobressaltos”, afirmou. A câmara também contratou uma empresa para fazer auditoria nas contas, para evitar problemas no futuro.
Essa será mais uma das novas tarefas da CCEE, criada em 2004 como uma entidade privada sem fins lucrativos com a finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica no país.
Hoje, sua atuação vai além da operacionalização de leilões de energia e gestão de contratos do mercado regulado e do mercado livre. A CCEE é gestora da conta das bandeiras tarifárias e também da conta ACR, criada para cobrir as despesas das distribuidoras com descontratação involuntária.
“Na nossa gestão, vamos arrecadar e pagar de acordo com o comando da Aneel, que vai definir para onde serão destinados os recursos”, disse Altieri. As contas terão orçamento próprio, sem contaminação com a CCEE.
A mudança está em linha com a estratégia da Eletrobras de focar em geração, transmissão e comercialização
A contaminação de recursos é um dos problemas que a Eletrobras enfrentou. Segundo a Aneel, a apropriação de recursos da RGR pela estatal aconteceu quando a companhia não repassou totalmente os montantes resultantes de amortizações de saldo devedor de financiamentos feitos pelos agentes.
A estatal também é alvo de outro processo na Aneel, que determina o ressarcimento de cerca de R$ 600 milhões pagos a mais a um grupo de empresas – parte delas subsidiárias da própria Eletrobras – como indenizações pela adesão à renovação antecipada de suas concessões em 2012.
“A Eletrobras tinha um conflito de interesse. Ao mesmo tempo em que era gestora, emprestava recursos para as suas empresas com juros subsidiários”, disse Edvaldo Santana, presidente da Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia elétrica e ex-diretor da Aneel.
Segundo Santana, ainda que a CCEE tenha interferência do governo, é uma entidade independente. “Por isso, pode dar uma gestão melhor para os fundos do setor elétrico do que a Eletrobras.”
A mudança também se encaixa com os planos da própria Eletrobras. Em entrevista recente ao Valor, o presidente da estatal, Wilson Ferreira Junior, disse que a transferência da gestão dos recursos está em linha com sua estratégia de focar nas atividades de geração, transmissão e comercialização de energia.
“Tudo que não é foco, como o tema da distribuição e o tema dos fundos [setoriais], imediatamente tomamos providência de anúncio. No caso das distribuidoras, [anunciamos decisão] de privatização. E no outro foi exatamente nós sairmos dos fundos setoriais, etc., coisa que vai acontecer neste primeiro quadrimestre”, disse Ferreira.
A mudança na gestão dos fundos foi estabelecida pela Medida Provisória (MP) 735, convertida na Lei 13.360 de 2016. Segundo a Eletrobras, a CCEE iniciou as tratativas junto à empresa em agosto, por meio de reuniões técnicas e workshops, com o intuito de apresentar os processos envolvidos na gestão de cada fundo e também as práticas contábeis adotadas pela companhia.
Atualmente, dez funcionários da Eletrobras estão alocados na gestão dos fundos setoriais, sendo dois de nível gerencial. Após a transferência da gestão desses fundos setoriais para a CCEE, a equipe deverá ser realocada em outras atividades da Eletrobras. A CCEE está montando sua própria equipe.
Contexto
A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) foi criada em 2002 com o objetivo de prover recursos para o custeio de políticas públicas do setor elétrico, como promover universalização do serviço de energia elétrica no país e conceder descontos tarifários a usuários de baixa renda. Em 2013, a Lei 12.783 (de conversão da MP 579) alterou a CDE, que passou a incorporar também a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e a Reserva Global de Reversão (RGR). A principal fonte de recursos da CDE é por meio da tarifa de energia – paga por todos os consumidores.
A CCC, criada originalmente em 1973, tem a finalidade de custear a geração de energia nos sistemas elétricos isolados, subsidiando o uso de combustíveis fósseis. Dessa forma, o custo de geração termelétrica nesses lugares acaba sendo custeado por todos os consumidores.
A RGR, por sua vez, foi criada em 1957 para cobrir indenizações por ocasião da extinção de serviços de geração, transmissão e distribuição de energia.