Com agenda intensa, setor elétrico aguarda definição de corpo técnico

Com agenda intensa, setor elétrico aguarda definição de corpo técnico

O governo do presidente eleito Jair Bolsonaro terá uma agenda intensa no setor elétrico. Por enquanto, apenas o nome do ministro de Minas e Energia foi anunciado: o almirante Bento Costa Lima. Os nomes da sua equipe técnica ainda não foram anunciados, o que aumenta as incertezas sobre a direção que o governo vai tomar e quais pautas serão priorizadas.

“Comunicação, diálogo e capacidade de entendimento e equacionamento dos problemas, que são complexos, são os fatores que vão definir a linha de ação do governo e sua credibilidade entre os agentes do setor”, disse Luiz Barroso, presidente da PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) durante o governo de Michel Temer. Para o especialista, para que uma agenda estruturante possa ser construída no médio prazo, o novo governo vai precisar se mostrar transparente e disposto a dialogar.

Apesar das incertezas sobre os rumos da equipe de energia do governo, o clima é de otimismo, com expectativas de que as medidas necessárias serão implementadas. É o caso do tema visto como prioridade no curtíssimo prazo: resolver a judicialização relacionada ao risco hidrológico (medido pelo fator GSF, sigla em inglês para a diferença entre a energia que as hidrelétricas venderam e o que foi efetivamente produzido), que ainda trava cerca de R$ 7 bilhões nas liquidações do mercado de curto prazo de energia, e impede o aperfeiçoamento do mercado livre do país.

Renegociação do contrato de Itaipu é essencial para o planejamento de longo prazo de concessionárias

“Solucionar o GSF é condição essencial para se começar a falar em evolução e desenvolvimento do mercado livre. Isso precisa acontecer antes de mudanças como abertura do mercado e implementação de preço horário”, disse Raphael Gomes, especialista no setor de energia do Demarest Advogados.

O problema é urgente, mas uma solução já discutida exaustivamente no setor está tramitando no Congresso, por meio de uma emenda incluída no Projeto de Lei do Senado (PLS) 209/2015. O texto, que já teve o aval da casa e está na Câmara, estabelece as regras para que a exposição das hidrelétricas ao mercado de curto prazo de energia não associada à hidrologia (como importação de energia e atraso nos projetos de transmissão) seja ressarcida por meio da extensão dos prazos de concessão.

Paralelamente, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) lidera conversas com os geradores que têm maior posição devedora no mercado de curto prazo de energia em busca de uma solução infralegal para acabar com a judicialização do GSF.

Solucionar o tema é visto como essencial para que outras pautas do mercado livre possam avançar. O Ministério de Minas e Energia lançou uma consulta pública para discutir a redução do limite de migração para o mercado livre de energia, dos atuais 3 megawatts (MW) de carga para 2,5 MW em julho de 2019 e 2 MW a partir de 2020. Também em 2020, é prevista a implementação do preço horário no mercado de curto prazo. Hoje, ele é calculado semanalmente.

Segundo Gomes, resolver o imbróglio também é importante para que o Brasil possa atrair mais investidores para a área de geração, principalmente empreendimentos voltados para o mercado livre. “Se o setor elétrico estiver melhor estruturado, investimentos virão com força e a taxa de retorno exigida será menor”, disse.

Em relação à necessidade de melhora da estruturação do setor elétrico, Barroso destaca a importância de continuidade das discussões iniciadas no governo atual, e que culminaram na conhecida consulta pública (CP) 33, que reforma o marco legal do setor elétrico e aborda temas como a expansão do mercado livre e a separação de lastro e energia. A privatização da Eletrobras é outro ponto que precisa ser retomado, de acordo com o especialista.

Antes de tudo, porém, é preciso resolver a questão do contrato da hidrelétrica de Itaipu, que vence em 2023. Hoje, essa energia é alocada em cotas dentro das distribuidoras de energia. A renegociação do contrato é essencial para o planejamento de longo prazo das concessionárias, que, neste ano, já fizeram contratação de novos projetos de geração para 2024. “Quanto mais cedo a distribuidora souber a contratação futura, melhor o seu planejamento”, disse Barroso.

Pelo tratado assinado entre Brasil e Paraguai, cada país tem direito a 50% da geração de Itaipu, mas o Paraguai consome cerca de 20% do total, e vende o restante ao país. Com o fim do contrato, o governo paraguaio pode exigir um preço mais elevado na renegociação, o que afetará o portfólio das distribuidoras. “Há ainda a discussão sobre a forma como essa energia de Itaipu será comercializada, se ficará no mercado cativo [das distribuidoras], se vai para o livre, se vai ser cota”, disse Barroso.

Em linhas gerais, as expectativas dos especialistas e empresários são otimistas quanto aos rumos do setor a partir de 2019. “O setor elétrico é o embrião para a retomada do crescimento econômico no Brasil, é fundamental que gere confiança, pois trará impactos maiores na economia”, disse Barroso.

“Temos expectativa favorável em relação a 2019. Estamos fechando as projeções, que apontam para retomada de crescimento, consolidação do quadro macro geral, taxa de juros baixa, inflação controlada e crescimento econômico retomando, com alta do PIB próxima de 3%”, disse Miguel Setas, presidente da EDP Energias do Brasil, depois de participar de evento do setor eólico no início da semana.

O início do ciclo de crescimento sustentado levanta ainda a necessidade de contratação de novos projetos de geração de energia. “Suspeito que, se o Brasil crescer novamente a taxas razoáveis, voltaremos a ter problemas de oferta de energia”, disse ontem Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente do BNDES e presidente do Goldman Sachs no Brasil.