Desconto divergente no mercado livre se torna problema no setor
Inconsistência. Aneel manteve decisão da CCEE que apurou a existência de mais energia com 100% de dedução comercializada do que gerada. Responsabilização vai depender dos contratos
Uma incompatibilidade em descontos praticados no mercado livre de energia elétrica pode gerar dor de cabeça para o regulador dele e até para o Judiciário após decisão tomada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), dizem especialistas ouvidos pelo DCI.
O caso analisado pela agência se refere a oito comercializadoras que venderam energia incentivada com 100% de desconto sobre o uso do fio.
O sócio da área de infraestrutura do escritório Felsberg Advogados, Daniel Engel, explica que há uma tarifa de aluguel do fio para eletricidade sair do gerador e chegar ao consumidorlivre, e esse aluguel pode ser precificado para baixo de acordo com a origem dessa energia por conta de políticas governamentais para incentivar a produção de energia de fontes renováveis.
O problema é que, em geral, esses descontos vão de 50% a 80%, atingindo 100% apenas em casos muito específicos como o de biogás e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH).
O que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) percebeu, é que a energia vendida com descontos a 100% era maior do que o montante gerado por essas duas fontes, percebendo assim a inconsistência e exigindo uma recontabilização dessas operações, com ressarcimento de acordo com os contratos firmados entre comercializadora e consumidora de energia.
“Se por qualquer meio se informa o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Aneel ou a CCEE de que há mais energia com desconto sendo comercializada do que gerada, fica óbvia a fraude”.
Ele ainda lembra que apesar disso, o mercado livre de energia tem poucos casos assim, porque os contratos futuros de energia que são comercializados são obrigados por lei a ter lastros em uma capacidade de geração real de energia.
Parecer
As oito companhias recorreram, mas a Aneel optou, na semana passada, por não impugnar a decisão da câmara, mantendo a atribuição de responsabilidades do caso aos contratos.
Isso, na opinião do sócio do Moreau Advogados, Pierre Moreau, abre caminho para uma série de disputas.
“O comercializador vai ter que se acertar com os clientes para saber de quem é a responsabilidade”, acredita ele.
Imbróglio
Embora o órgão máximo que verifica a legalidade dos contratos seja a CCEE, o especialista do Boccuzzi Advogados, Marco Orlandi, acredita ser muito provável que essas disputas acabem no Judiciário.
“Provavelmente os comercializadores vão pedir uma liminar no Judiciário pedindo a suspensão da penalidade aplicada dependendo do valor a ser ressarcido”, explica ele.
E a depender dos cálculos, não será um número baixo.
O executivo de uma comercializadora que não quis se identificar calculou – pelo volume vendido de energia com 100% de desconto no fio pelas oito empresas envolvidas -, que o prejuízo às distribuidoras e transmissoras de eletricidade causado pela suposta fraude ficará em aproximadamente R$ 100 milhões.
Para Engel, do Felsberg Advogados, a responsabilização provavelmente acabará recaindo sobre as comercializadoras, visto que quem consumiu a energia não teria como saber do problema no sistema da CCEE.
“As comercializadoras se beneficiaram, então acho difícil elas se desincumbirem”, opina o advogado.
Pierre Moreau acrescenta que ônus sobre a anomalia verificada pelos órgãos que regulam o setor elétrico deve recair sobre quem agiu mal na questão, que na sua opinião foram as comercializadoras.
Outro argumento contra quem fez a dedução, segundo Moreau, é que a irregularidade foi apurada por unanimidade em dois órgãos reguladores especializados, a CCEE e a Aneel.
“Já tiveram duas decisões unânimes e os órgãos usaram um crédito indevido. Quando você tem esse desconto de 100% não há como dizer que eles não sabiam da norma”, observa.
Procurada pela reportagem, a Aneel informou que apenas decidiu pela recontabilização dos valores a partir da correção do sistema pela CCEE.
Já a CCEE explicou que o próximo passo será recontabilizar o sistema para ajustar as operações citadas, mas que não buscará a penalização legal das empresas envolvidas e que a responsabilidade efetivamente será definida de acordo com a redação de cada contrato.
Fonte: DCI 05/12/2016 Ricardo Bomfim