Discussões aquecidas no mundo da energia
O acionamento intensivo das usinas térmicas fez quadruplicar a emissão de dióxido de carbono pelo parque gerador brasileiro ao longo da última década. A quantidade média de CO2 despejada na atmosfera por cada megawatt-hora de energia produzida no país aumentou de 0,03 para 0,12 tonelada entre 2006 e 2015. Apesar do crescimento acelerado, são emissões relativamente modestas de gases do efeito-estufa quando comparadas com outros países e regiões. Essa relação chega a 0,97 tonelada na China, a 0,82 nos Estados Unidos e a 0,55 na União Europeia.
No Brasil, ao contrário de boa parte do mundo rico e das nações emergentes, o setor elétrico não é um dos principais fatores de colaboração para as mudanças climáticas. É uma decorrência da elevada, mas declinante, participação das hidrelétricas na matriz. Pesam muito mais o desmatamento (com conversão de florestas em pastagens ou lavouras), a agropecuária (do cultivo de arroz à flatulência das vacas) e o sistema de transportes (com uma logística que privilegia o modal rodoviário em detrimento das ferrovias para cargas e metrôs nas grandes cidades). Basta mencionar um número: se forem subitamente desmontadas todas as usinas térmicas nacionais, que têm sido essenciais na operação da rede, haveria queda inferior a 10% nas emissões brasileiras de CO2.
Para cumprir meta de fontes renováveis, mais usinas térmicas.
Nada disso deve ser entendido como um sinal para que o modelo de expansão da matriz elétrica brasileira seja excluído das discussões de políticas climáticas voltadas ao cumprimento dos compromissos internacionais, mas vale a pena ter esses pontos em mente quando se debate como implementar as metas de redução dos gases-estufa assumidas pelo país no Acordo de Paris, em vigência desde novembro do ano passado.
Como se sabe, o tratado representa uma tentativa de limitar o aumento da temperatura média global em menos de 2° C acima dos níveis pré-industriais. O Brasil se comprometeu a diminuir em 37% suas emissões até 2025, tendo como base o ano de 2005, e uma estratégia detalhada de implementação ainda vai ser definida internamente. Uma consulta pública foi aberta pelo Ministério do Meio Ambiente e interessados têm até o próximo dia 15 para enviar contribuições.
Leitura fortemente recomendada para pontuar essas discussões é um documento do Instituto Acende Brasil, espécie de observatório do setor elétrico, ainda inédito e com previsão de lançamento nos próximos dias.
Para chegar à prometida redução dos gases-estufa, o governo brasileiro coloca, como meta, duplicar a participação na matriz elétrica das novas fontes renováveis: eólica, solar e biomassa. Elas devem passar de 11,5% da energia produzida em 2015 para, no mínimo, 23% da geração total em 2030.
À primeira vista, faz todo sentido. Quando se levam em conta os critérios de segurança no abastecimento do sistema interligado nacional, o “white paper” do instituto chega a conclusões “um tanto quanto não intuitivas”, nas palavras de seu presidente, Claudio Sales.
A aparente contradição é que, para ter mais fontes renováveis rodando na base do sistema, torna-se necessário também o crescimento da oferta de usinas térmicas – geradoras de gases-estufa – como “back up” na operação.
Explica-se: para enfrentar os períodos de estiagem, a gestão do sistema contava com os grandes reservatórios de hidrelétricas, que permitiam manter o volume de energia gerada mesmo fora da época de chuvas. Mas houve esgotamento dos potenciais hídricos perto dos centros de consumo e o eixo de exploração mudou para a Amazônia, onde há crescentes conflitos socioambientais.
No início da década passada, se os reservatórios estivessem cheios e parasse de chover de um dia para o outro, as hidrelétricas seriam capazes de abastecer o sistema por 6,5 meses sem nenhuma ajuda das térmicas. Com a entrada em operação de usinas a fio d’água, como Jirau e Santo Antônio, hoje isso seria possível por 4,8 meses. A relação só deve piorar com Belo Monte a plena carga.
Assim como essas novas usinas ficam mais dependentes de chuvas para gerar energia, pois não têm grandes reservatórios, parques eólicos só entregam eletricidade quando existe vento e as fotovoltaicas dependem de radiação solar.
Para não ficar à mercê de variações sazonais, o sistema talvez acabe precisando paradoxalmente de mais térmicas que usam gás ou carvão, enquanto o país se vangloria de metas ambiciosas contra o aquecimento global.
Há faíscas por todos os lados saindo do Ministério de Minas e Energia. O maior risco de explosão está nas relações do secretário de Planejamento Energético, Eduardo Azevedo, com boa parte da equipe. Quando o governo já estava perto de uma decisão interna de cancelar o último leilão de energia de reserva, marcado para dezembro, Azevedo fez declarações no sentido oposto e guiou o mercado em direção equivocada. Conterrâneo do ministro pernambucano Fernando Coelho Filho, ele está à beira de um curto-circuito com as demais autoridades do setor.
Outra fonte de embates ganha corpo no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Uma ala importante do ONS, órgão responsável pela operação do sistema, tem defendido o acionamento imediato de mais térmicas “fora da ordem de mérito” para poupar os reservatórios. Noves fora o palavrão, isso significa essencialmente ligar usinas movidas a combustíveis fósseis que se situam acima da faixa de preço determinada pelas regras de mercado e apurada pelos modelos matemáticos do setor.
A estratégia teria, como vantagem, economizar mais água em reservatórios como Sobradinho e Serra da Mesa, que estão em situação alarmante. O ponto negativo é jogar uma conta bilionária – e possivelmente desnecessária – no colo dos consumidores. Estima-se que o custo de acionar 3 mil MW de térmicas seria de R$ 1 bilhão por mês. Outros integrantes do CMSE preferem dar tempo ao tempo. Há mudanças previstas na metodologia de preços daqui até maio, que podem resultar no despacho das térmicas dentro das regras de oferta e demanda, com menos peso para o bolso alheio.