Discussões paralelas buscam solução para o MRE e impasse do GSF no MCP

Discussões paralelas buscam solução para o MRE e impasse do GSF no MCP

MME terá que vencer desconfiança dos geradores na proposta de extensão dos prazos de outorgas para compensar os débitos do ACL.

Enquanto trabalha em uma solução estrutural para o tratamento do risco hidrológico que pode alterar o funcionamento do Mecanismo de Realocação de Energia, o governo tenta estabelecer condições de negociação suficientemente atrativas para os geradores do MRE que estão com débitos suspensos por decisões judiciais. A conta da inadimplência relacionada ao déficit de geração das usinas hidrelétricas com contratos no ambiente livre chegou no mês passado a R$ 3,7 bilhões, no fechamento das operações de agosto no mercado de curto prazo.

O Ministério de Minas e Energia pretende estender o prazo de outorga dos empreendimentos como solução para o passivo desses contratos, mas não pode errar a mão com uma proposta que desestimule a adesão dos geradores, nem acenar com benefícios que se mostrem inadequados no futuro. “Estamos caminhando para consolidar uma proposta que pode resultar na desjudicialização do setor.  Nossa expectativa é superar esse problema”, disse o secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa.

Tanto a questão do MRE quanto a negociação do passivo acumulado do GSF (o fator que reflete o déficit de geração das usinas hidráulicas) estão na Consulta Pública 33, que trata da reestruturação do modelo do setor elétrico. As negociações do MME com os geradores têm avançado, mas ainda não há uma data cravada para que as medidas sejam anunciadas pelo governo.

“A visão do ministério é de que alguns dos pontos que estão sendo tratados tanto no âmbito da privatização da Eletrobras  quanto da consulta pública precisarão ser apresentados na forma de medida provisória, em função da urgência. Isso é o que estamos manifestando no ambiente de governo, e a nossa visão é de que o setor terá maturidade para permitir uma solução nesse ponto”, explica Pedrosa. Ele informou que a questão será tratada na semana que vem, em reunião com o presidente Michel Temer.

Paulo Pedrosa, do MME: A ideia é revisitar o conceito e entender os pontos que nos afastamos.

Em relação ao MRE, o entendimento do ministério é de que o mecanismo deve preservar a característica original de permitir o compartilhamento do risco hidrológico entre os geradores. “A ideia, antes de tudo, é revisitar esse conceito e entender os pontos em que nós podemos ter nos afastado dele”, afirma Pedrosa.

O debate envolve a avaliação de que muitos riscos não associados ao mecanismo foram acrescentados ao longo do tempo, e podem ser realocados. Entre eles estão custos resultantes de atrasos em empreendimentos de geração e de transmissão e a antecipação de garantia física de projetos de geração estruturantes como as hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte.

O governo admite que os geradores participantes do MRE não podem assumir esse risco, mas os empreendedores que entraram nesses projetos também não têm culpa pelas condições estabelecidas no passado. “No geral, nós não gostamos muito de soluções que descaracterizem o risco hidrológico”, diz o secretário.

Dois pontos já previstos em lei e regulamentados pela Agência Nacional de Energia Elétrica não podem mais ser tratados como risco hidrológico do MRE. Um deles é a geração termelétrica fora da ordem de mérito e o outro a importação de energia.

O ponto em que não há convergência entre a avaliação do governo e a dos agentes é a alocação no MRE do custo da energia de reserva. Os geradores alegam que essa energia, gerada principalmente por fontes intermitentes como usinas eólicas, provoca o deslocamento hidrelétrico. Pedrosa argumenta que essa energia entra como reposição da garantia física das hidrelétricas que não foi reduzida por causa do limite legal de 10%.

A ideia proposta pelo MME é de que a compensação pelos prejuízos com o deslocamento hidrelétrico resultante da operação de termelétricas fora da ordem de mérito (GFOM) seja calculada a partir de 2013 para toda a energia dos contratos no ambiente livre que não tiveram o risco hidrológico repactuado e nem tenham ação judicial em andamento. “Esse é o grande trade off que o ministério tem nesse momento: calibrar direitinho esse prejuízo para escorregar as concessões num prazo que seja palatável, mas que seja aceito por quem tem as tais das liminares”, avalia o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel.

Mario Menel, do Fase: Calibrar o prejuízo para escorregar as concessões num prazo que seja palatável por quem tem liminares.

Também presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, Menel acredita que se o tempo de deslocamento do prazo do contrato não for interessante para os geradores, os que têm ação na justiça não vão ceder. O ponto de maior incerteza apontado pelo setor é a regulamentação que ainda será feita pela Aneel.

O grande objetivo de rever as regras de apuração do GSF é acabar com a batalha judicial que tem paralisado o mercado de curto prazo. “Nosso desejo e nosso pedido ao ministério é para que isso saia o mais rápido possível”, afirma o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, Rui Altieri. Ele lembra que a quase totalidade da inadimplência do mercado está relacionada ao GSF. “Se nós conseguíssemos resolver a questão do GSF ficaria apenas a inadimplência de uma única distribuidora. O restante são valores marginais. Voltaríamos à normalidade do mercado, que era de 1% a 2% do total mensal.”

Dados da CCEE mostram que dos R$ 6,8 bilhões contabilizados em agosto desse ano, 54% (3,7 bilhões) correspondem a risco hidrológico não repactuado dos contratos do ACL, cujo pagamento está suspenso por liminares. Por causa disso, a câmara conseguiu liquidar no mês passado menos da metade do valor das transações, ou R$ 3,1 bilhões.

Rui Altieri, da CCEE: Resolver a questão do GSF para voltar a normalidade.

Existem atualmente 161 decisões judiciais vigentes, das quais 63 são liminares obtidas por geradores que impedem ou limitam a 5% a aplicação do GSF; 58 são decisões que excluem outros agentes do rateio do débito dos inadimplentes no MRE e 40 são liminares que dão prioridade a alguns credores no recebimento dos valores da liquidação financeira.

Para Menel, mais importante do que a nova conceituação do MRE é a avaliação de qual foi o impacto financeiro da crise hídrica dos últimos anos para as empresas com contratos no mercado livre, que não aderiram à repactuação do risco hidrológico em 2015. Em princípio, afirma o executivo, ninguém é contra o deslocamento da janela de concessão, mas é preciso estabelecer uma data para definir o prejuízo a ser compensado, para que os geradores façam as contas a partir da proposta de extensão de prazo. Em um ambiente ainda incerto em relação ao valor que será calculado, o clima é de desconfiança entre os geradores.

A proposta que o MME abriu para discussão, dentro da Consulta Pública 33, sugere a alteração do funcionamento do Mecanismo de Realocação de Energia como instrumento de mitigação do risco hidrológico. O MRE passaria a ser aplicado em caráter eventual, dentro de um modelo em que o mecanismo de formação de preços se daria pela oferta, e não mais por meio de modelos computacionais.

Quando se usa o sistema de oferta, reduz-se o impacto do mecanismo, que pode se tornar “disfuncional ou desnecessário”, conclui a Nota Técnica do MME que embasou a consulta pública de discussão do modelo. Paulo Pedrosa garante que não há uma posição fechada no ministério em relação a isso, mas admite que MRE envelheceu e precisa ser revisto.

A proposta não elimina totalmente o MRE, explica o presidente do Fase e da Abiape. Opcionalmente, ele pode ser usado como um mecanismo redutor de risco, medida que Menel considera prudente. “Vamos dando uns passos de cada vez para a gente ver como se comporta o sistema como um todo, e aí você tem um mecanismo legal que permite continuar com o MRE, caso seja conveniente.”

Das 36 contribuições feitas no item que trata do tema, há tanto opiniões favoráveis quanto contrárias à definição do termo eventual. Muitas defendem que o mecanismo é obrigatório e tem que ser mantido. “Na nossa opinião, o que precisa ser feito para melhorar o MRE é expurgar qualquer questão que não afeta a risco hidrológico e despacho centralizado”, defende Altieri. Para o dirigente da CCEE, esse é o único aprimoramento que deve ser feito no mecanismo.

Leonardo Santana, da Abragel: O GSF é um tema prioritário.

“A gente tem ouvido que o GSF é um tema prioritário, não só por conta de o mercado estar parado, mas também na  discussão mais recente que tem havido em relação à própria Eletrobras. Seus ativos hidrelétricos são fortemente afetados por essa paralisia no mercado. Então, o que nós ouvimos é que isso seria priorizado também”, relata o presidente executivo da Associação Brasileira de Geração de Geração de Energia Limpa, Leonardo Santana.

Santana afirma que a alocação de variáveis que não tenham característica hidrológica no MRE deve ser evitada não na recomposição do passivo acumulado pelos agentes com contratos no mercado livre, mas como procedimento para frente. Ele acredita que esse é o tratamento que deverá ser dado nos próximos meses à antecipação da garantia física da usina de Belo Monte.

“Para nossos associados, é importante que a solução seja feita de forma estrutural. Novos movimentos, ou ainda as máquinas que estão para entrar, ou a garantia física antecipada à qual Belo Monte, principalmente, tem direito, não devem afetar [os outros participantes do mecanismo] no futuro.” Para o executivo da Abragel, a alocação do custo tende a ficar mesmo com consumidor, que tem sido o beneficiário das “liberalidades “do passado.

O presidente da Associação Brasileiras das Geradoras de Energia Elétrica, Flávio Neiva, destaca estudo feito pela Thymos Energia para a Abrage, na qual a consultoria propôs a definição de uma faixa de variação do GSF. Dentro dessa faixa, os geradores hidrelétricos assumiriam os custos resultantes da operação do Sistema Interligado. Ela teria um limite superior, quando a usina gerasse acima da garantia física, e um inferior, quando gerasse abaixo dela.

Flavio Neiva, da Abrage: Estudo apresenta proposta para dar previsibilidade.

No caso de geração de energia secundária, o gerador seria beneficiado até o limite de de 8% acima da garantia física da usina. A partir desse teto, os benefícios iriam para o consumidor.

No caso de gerar abaixo do previsto, o empreendedor absorveria até 5% do custo do GSF. O que passasse desse valor seria pago pelo consumidor, por meio do Encargo de Serviços do Sistema. Segundo a consultoria, os valores apontados representam a média histórica, tanto em caso de perda quanto de ganho no MRE.

“Essa é uma proposta equilibrada, que permite ao  empreendedor perceber o risco. Não fica nessa agonia de não aguentar e partir para a judicialização”, avalia o presidente da Abrage.  Para o executivo, uma medida como essa tem como consequência a “desjudicialização” quase que imediata do mercado.