Duas mulheres, duas decisões

Duas mulheres, duas decisões

Em meados de 2012, duas mulheres conduziam duas das maiores economias do mundo. Aparentemente, tinham o mesmo perfil: duas mulheres fortes, sem muito carisma e com enorme fama de competentes. Uma conduzia um país continental, farto de recursos naturais e sempre apontado como “o país do futuro”. A outra conduzia uma potência industrial ressurgida e consolidada depois da Segunda Grande Guerra. Ambas sofriam pressão similar: questionamentos sobre o preço da energia elétrica e o seu impacto na competitividade da indústria.

A primeira delas não hesitou em querer oferecer o melhor dos mundos no curto prazo. A segunda, apesar das pressões, não fez grandes movimentos e priorizou a estabilidade regulatória. A primeira, apesar de ter vencido as eleições no ano seguinte, mergulhou o país em uma recessão e caiu dois anos depois. A segunda, apesar de toda a crise dos imigrantes, acaba de ser reconduzida para o seu quarto mandato.

A essa altura o leitor já se deu conta das personagens a que me refiro. No que tange a atender solicitações econômicas imediatas, Dilma Rousseff destacou-se: usou o Estado empresário para garantir combustíveis mais baratos, usou o Estado banqueiro para subsidiar empresas e empregos, e, por fim, usou o Estado regulatório para forçar os preços de energia elétrica para baixo. Não foi com pouco alarde que anunciou no final de 2012 a redução das tarifas de energia elétrica.

A MP 579, anunciada ferramenta para tal redução, é, entretanto, tratada hoje por especialistas como o grande fato desestruturador do setor – que vinha a duras penas se consolidando desde a crise de 2001. Por isso, causa arrepios até hoje em executivos do mercado. Era uma tentativa de pressão sobre geradoras para assegurar uma redução do custo da energia, assegurando preços menores para as distribuidoras que repassariam a redução para o consumidor. As coisas não funcionaram como esperado e as distribuidoras acabaram por ficar sem energia contratada e, portanto, tiveram que comprá-la no mercado livre a preços bem maiores.

Um ano depois, as contas voltaram a subir e o estrago já estava feito. O rombo no setor – ainda difícil de calcular – superava R$ 100 bilhões entre indenizações para os setores de transmissão e geração, socorro às distribuidoras, aportes extraordinários do Tesouro (que inevitavelmente recaem sobre o contribuinte), relicitação das outorgas, entre outros desequilíbrios. Um estrago que ainda impacta na conta do consumidor e do contribuinte (via Tesouro) e que tem feito o governo trabalhar em um novo marco regulatório para o setor, considerando todo o passivo remanescente.

Do outro lado, Angela Merkel, que assumira a chancelaria em um acordo com o partido rival socialdemocrata, continuava a migração da matriz energética para fontes renováveis iniciada ainda na década de 1990, sob comando dos rivais. Ao invés de reverter políticas, como se faz usualmente no Brasil, a nova chanceler, que assumira no final de 2005, impulsionou as energias renováveis que àquele momento eram bem mais caras do que as energias convencionais.

Daí toda a pressão de alguns segmentos industriais. Em vez de sucumbir às pressões, o governo Merkel manteve o rumo e a migração ganhou ainda mais impulso com a publicação, em 2010, do Energiewende – o documento que guia a política climática e energética do governo alemão. O documento arrojado propõe para 2040 uma redução de 70% das emissões de gases efeito estufa (com base em 1990) e uma fração de energias renováveis de 45% (não alcançava 5% em 1990) no mix elétrico. Tal arrojo obviamente tornou ainda mais agressiva a pressão das indústrias eletrointensivas. Em 2012, portanto, essa pressão por energia elétrica mais barata atingia com tudo, ao mesmo tempo, Dilma e Merkel.

 

O destino de Dilma e do mercado energético brasileiro aumenta a disparidade, mas nem precisaríamos dessa comparação para perceber que a opção de Merkel foi acertada. Além da quarta reeleição, os consumidores de eletricidade alemães já colhem os frutos de um mercado estável e agora já bastante economicamente competitivo. Segundo a Epex Spot, uma grande bolsa de comercialização de energia europeia, o preço de energia na Alemanha alcançou preços negativos por mais de 100 vezes durante o ano de 2017, ocorrendo inclusive no dia de Natal, quando uma relativa temperatura amena foi combinada com ventos abundantes.

Em geral esse fenômeno ocorre em momentos de pouca demanda como fins de semana e feriados, em que as eólicas geram mais do que os 12% médios, característicos do país, ao mesmo tempo em que as térmicas não conseguem desligar. Gera-se, assim, um excedente de energia que pode ser exportado, mas pode também se transformar em preços negativos, que abatem no preço final da energia como ocorreu no último final de semana de outubro, quando os preços ficaram negativos por 31 horas e os preços chegaram a € 83 por MWh.

Diante da mesma pressão, as duas líderes agiram de forma diferente. Do sempre desesperado lado brasileiro, interferiu-se nas estruturas regulatórias, quebrou-se a confiança do mercado e ignorou-se por completo a questão da sustentabilidade climática, tudo para tentar assegurar menores preços de eletricidade no curto prazo. Já do tranquilo lado alemão, as estratégias, os regulamentos e as iniciativas se mantiveram (com adequações apenas marginais) firmemente alinhadas à visão de futuro, contemplada no conceito de sustentabilidade que ganhou espaço ainda no fim do século XX. O resultado final dessa disputa não poderia ser diferente.