Elétricas perdem R$ 65 bi em valor desde 2013

Elétricas perdem R$ 65 bi em valor desde 2013

O setor elétrico brasileiro destruiu pelo menos R$ 65 bilhões em valor nos últimos cinco anos. O dado faz parte de levantamento feito pela consultoria alemã Roland Berger, que concluiu que os retornos gerados pelos segmentos de geração, transmissão e distribuição não foram suficientes para pagar pelos investimentos realizados nesse período. Tão importante quanto o número apontado é a constatação feita pelo estudo de que, apesar de boa parte desse valor ser devida a intervenções governamentais e ao modelo regulatório, outra fatia considerável se refere à ineficiência das próprias empresas e que podem ser corrigidas, independentemente da regulação.

O estudo, por exemplo, indica que o aumento da eficiência operacional, uma melhor análise de riscos e o uso racional do capital permitiria às elétricas brasileiras gerar de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões de valor adicionado nos próximos três anos, mesmo com as condições regulatórias atuais.

“A regulação ajudou a destruir valor, trouxe muito prejuízo, e há ajustes regulatórios a serem feitos no modelo regulatório. Mas não é só isso que precisa ser feito. Excluindo a [Medida Provisória] 579, que foi uma mudança de regra esquisita e no meio do caminho, existe uma regra há algum tempo no Brasil. O fato é que, tendo regras boas ou ruins, os atores do setor precisam entendê-las e atuar considerando as normas. Há oportunidade para as próprias empresas do setor elétrico brasileiro gerarem mais valor sendo mais eficiente”, afirmou Daniel Martins, responsável pelo estudo da Roland Berger.

Segundo o especialista, o custo de capital no setor elétrico brasileiro varia, em média, de 10% a 12%. E o retorno sobre o capital investido (Roic, na sigla em inglês) médio esteve sempre abaixo desse patamar nos últimos cinco anos, sendo de apenas 5,9%, no ano passado. Em 2016, o resultado foi o melhor do período analisado, de 9,5%, motivado fortemente pela remuneração das indenizações por investimentos em ativos antigos de transmissão não depreciados, no âmbito da MP 579, da renovação onerosa das concessões.

Esse fator, no entanto, teve efeito apenas no segmento de transmissão de energia, cujo Roic em 2016 foi de 26,1%, indicando geração de valor. No ano seguinte, porém, o número já recuou para 10%.

Os demais segmentos, no entanto, estão com desempenho bem abaixo do custo de capital. O setor de distribuição de energia teve Roic médio de 5,5% em 2017 e de 3,3%, no ano anterior. Em geração, o Roic alcançado no ano passado foi de 7,3%, menor que os 8,3% observados em 2016. As empresas integradas também encontram dificuldades para gerar valor. O Roic delas foi de 8,8%, em 2016, e de 5,3%, no ano passado.

Com relação à distribuição, o professor Roberto Brandão, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da UFRJ, ressalta que o segmento foi muito afetado pela crise econômica recente e seus respectivos efeitos na demanda de energia. Houve aumento de inadimplência e de perdas comerciais de energia (furto e fraude), além de um impacto financeiro para as empresas, com o aumento dos juros. “E há uma quantidade grande de empresas que tem eficiência operacional muito fraca, sobretudo estatais, federais e estaduais, e algumas privadas também”, afirmou.

Na área de geração, além da MP 579/2012, o especialista do Gesel/UFRJ destaca ainda o problema do GSF (sigla em inglês para a relação entre a energia que as hidrelétricas de fato geraram e o montante que elas haviam comercializado), que também foi agravado pela crise econômica.

Mesmo quando desconsiderado o grupo Eletrobras dos cálculos, o setor continua perdendo valor. Sem a gigante estatal elétrica, o Roic médio do setor ficou em 7% em 2017, com queda ante 8,7% no ano anterior, de acordo com as contas da Roland Berger.

Em estudo semelhante, utilizando como métrica o EVA (sigla em inglês para valor econômico adicionado, que também se refere ao Roic), o Instituto Acende Brasil e a KPMG identificaram uma destruição de valor de R$ 103,5 bilhões entre 2011 e 2016. O levantamento foi feito com base em dados de 36 elétricas. Desconsiderando o grupo Eletrobras, o resultado melhora significativamente, porém ainda resulta em um número negativo de R$ 10,9 bilhões. Para as duas instituições, o cálculo reflete o forte impacto de intervenções governamentais, como a MP 579, e a queda da demanda no período.

“O estudo evidencia que a intervenção do governo foi absolutamente nefasta e, no caso do estudo, isso foi medido em dezenas de bilhões de reais [de destruição de valor]”, disse Claudio Sales, presidente do Acende Brasil. “Para setores altamente regulados, como o de energia, o esperado é que o retorno sobre o capital investido seja bem próximo do custo de capital”, completou Eduardo Monteiro, diretor executivo do Acende Brasil.

Para Martins, da Roland Berger, de fato são necessários ajustes na regulação para melhorar o ambiente econômico para o setor elétrico. “Por outro lado, mesmo que isso tudo aconteça, se as empresas não buscarem ser mais eficientes também não vão gerar mais retorno”, disse o consultor.

A saída para as empresas, segundo a Roland Berger, são iniciativas de eficiência operacional e de capital. “Há agendas internas que permitirão ao setor extrair mais valor dos seus investimentos”, conclui o estudo. Nesse sentido, um dos caminhos para as companhias é utilizar a tecnologia a seu favor. “Temos vivenciado mudanças digitais. Mas o Brasil está atrás do restante do mundo em relação a aproveitar essas tecnologias para gerar novas fontes de receita e gerar menos custos”, constatou Martins.

As transmissoras podem, por exemplo, lançar mão de novas tecnologias para as atividades de inspeção e manutenção de linhas, reduzindo custo. As geradoras podem ampliar a utilização de ferramentas de tele assistência em usinas e subestações, diminuindo falhas e custos administrativos e de folha salarial. E as distribuidoras, por sua vez, podem utilizar ferramentas digitais e modelos estatísticos para a prevenção de fraudes, gestão de riscos e projeções mais assertivas de contingências.

Além das discussões no Congresso sobre o projeto de reforma do setor elétrico e de privatização da Eletrobras, Martins destaca que o próprio mercado de energia elétrica está passando por uma mudança estrutural.

“No Brasil, há uma tendência histórica de repassar o custo da ineficiência [do setor] para o consumidor. E, seja por motivos sociais e econômicos que viveremos nos próximos anos, ou pelo motivo que os consumidores vão ter, com a geração distribuída, uma alternativa ao ambiente regulado, isso vai fazer com que nem tudo poderá ser repassado [à tarifa]. Uma parte dessa ineficiência terá que ser resolvida dentro das próprias empresas. Para elas gerarem valor ao acionista, elas precisarão ser mais eficientes”, disse Martins.