Em busca de uma Solução Estrutural para o Mecanismo de Realocação de Energia
Nos últimos anos, a geração hidrelétrica tem passado por uma crise sem precedentes porque, ano após ano, as usinas têm gerado energia muito aquém da garantia física que lhes é atribuída. As baixas vazões afluentes nos rios explicam parte do problema, mas outra parte surge de fragilidades intrínsecas ao modelo setorial, dentre as quais se destaca o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE).
O MRE é um instrumento de compartilhamento de riscos entre geradores hidrelétricos, que faz parte das linhas mestras do desenho de mercado estabelecido na Lei 9.648, de 1998, segundo o qual os geradores passariam a comercializar livremente a sua produção futura de energia elétrica por meio de contratos de suprimento de longo prazo, enquanto a operação física das suas usinas permaneceria sob o comando do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Eventuais diferenças entre os montantes comercializados e os montantes efetivamente produzidos seriam liquidadas no mercado de curto prazo ao Custo Marginal de Operação (CMO). Tais exposições no mercado de curto prazo representam um risco para os agentes, sobretudo para as hidrelétricas, cuja produção depende das vazões afluentes.
A socialização da produção hidrelétrica promovida pelo MRE tem o efeito de minimizar as exposições individuais decorrentes do risco hidrológico. O problema é que, ao socializar a produção hidrelétrica, o MRE acaba socializando outros riscos não relacionados à hidrologia.
Para sanar este problema, é necessário blindar o MRE de outros riscos não relacionados à hidrologia. A forma de alcançar este objetivo é pela alteração do atual MRE por outros mecanismos que sejam capazes de preservar as condições econômico-financeiro-contratuais estabelecidas, sem recorrer à simples repartição da produção hidrelétrica. Tais mecanismos ainda precisam ser desenvolvidos e detalhados, mas seus princípios gerais já podem ser identificados.
O primeiro tipo de mecanismo seria voltado à mitigação do risco hidrológico por meio de transferências entre os geradores hidrelétricos, em função das suas respectivas vazões afluentes em relação às suas afluências esperadas (em vez de em função dos seus respectivos montantes gerados em relação às suas garantias físicas). Desta forma, o mecanismo deixa de ser influenciado por outros fatores não relacionados à hidrologia que atualmente impactam o MRE.
O segundo mecanismo teria o objetivo de manter a repartição sazonal da geração hidrelétrica implícita entre usinas concebidas no âmbito do MRE. Tal mecanismo poderia ser realizado por meio de contratos financeiros de swap de energia sazonal. Desta forma, seriam preservadas minimamente as condições implícitas do MRE, sem distorcer os incentivos para a manutenção dos reservatórios existentes e, principalmente, para a construção de novos empreendimentos hidrelétricos com reservatórios de regularização.
Como dito acima, estes mecanismos ainda estão em fase embrionária e requerem mais estudos, mas ambos representam caminhos promissores para restaurar a higidez do mercado brasileiro de energia elétrica.