Energia solar: o imposto mais caro do mundo e um caminho sem volta
Lúcia Abadia*
O Brasil é precoce no uso de energia elétrica. Em 1879, Dom Pedro II concedeu a Thomas Edison o privilégio de introduzir ao País suas invenções destinadas à iluminação pública.
Passados 140 anos, temos um sistema elétrico que serve 90 milhões de unidades consumidoras e que, ao longo de todo esse tempo, sempre foi concedido por meio de um monopólio. E quem reinou sozinha nesta área foram as distribuidoras de energia.
Como nem tudo dura para sempre, uma nova opção passou a ameaçar esse privilégio: o barateamento de painéis solares, que vem possibilitando aos brasileiros explorar o sol que incide no telhado de suas casas para gerarem a sua própria energia e, muitas vezes, também as de seus vizinhos. Ainda que insipiente, a geração solar ameaça o interesse das concessionárias.
A tecnologia de painéis solares cria competição e incentiva o sistema nacional para que revise suas ineficiências e preços. No fim, o principal beneficiado nesta disputa é o consumidor e a parte mais afetada são as distribuidoras de energia, que vislumbram a possibilidade de perda de seu monopólio. Mais importante, a concorrência limita aumentos na tarifa. E o ciclo virtuoso dessa luta segue, pois quanto maior a taxa, mais incentivos o brasileiro tem em produzir sua a própria energia.
Atualmente, quem produz energia solar injeta o excedente na rede elétrica durante o dia e consome durante a noite. Uma troca benéfica, tanto para o consumidor, quanto para a rede, pois o horário de maior uso é exatamente quando o sol está a pino. E a energia criada é consumida localmente por residências vizinhas, o que reduz a utilização da rede elétrica e evita perdas na transmissão, que chegam a 16%.
Mas como diz o provérbio popular, no amor e na guerra vale tudo, e nesta batalha as concessionárias encontram uma forma eficiente de eliminar a competição por completo, promovendo um lobby junto à agência reguladora do setor. No último mês de outubro, a ANEEL propôs um novo imposto de 62% na troca de energia produzida pelos painéis fotovoltaicos. Este imposto aumenta o tempo de retorno do investimento de 5 para 20 anos, acabando com quaisquer incentivos que a população teria em investir na fonte renovável. A estratégia é clara: eliminar a possibilidade de instalação de painéis solares nas casas dos brasileiros e, com isto, garantir que as distribuidoras de energia não percam consumidores.
Não à toa, a proposta da ANEEL causou grande reação da população brasileira, de deputados e de senadores. O novo imposto não é só o maior do mundo na área, mas também é 5 vezes maior do que o cobrado em estados norte-americanos que adotam alguma forma de taxação sobre a energia injetada na rede. A taxação sobre trocas energéticas atinge esse objetivo, eliminando os incentivos. No entanto, cria um efeito adverso: impulsiona o desligamento da rede elétrica. Neste caso, o cidadão passa a investir tanto em painéis solares, como em bancos de baterias que armazenam a energia gerada, eliminando a necessidade de conectividade na rede.
Atualmente, ainda existem poucos incentivos econômicos para a aquisição dessas baterias residenciais. Mas o cenário muda com a implementação do imposto, podendo criar um novo mercado que hoje é praticamente inexistente. O que pode ocorrer em poucos anos.
A ANEEL tem o poder de tornar inviável a troca de energia solar com a rede elétrica, mas não tem o poder de frear os avanços tecnológicos. Felizmente, estas evoluções têm sido impulsionadas pela indústria de carros elétricos. Durante a última década, o preço das baterias de lítio tem reduzido consistentemente a uma taxa média de 18% anuais, ou seja, o custo cai pela metade a cada três anos.
Assim que o valor das baterias atingirem o mínimo para viabilidade econômica, quantidades crescentes de brasileiros irão optar pelo desligamento do sistema elétrico. Isso implica em um ciclo vicioso, em que mais brasileiros deixarão o sistema, encarecendo a energia para os demais consumidores. As consequentes maiores tarifas aumentam os incentivos de desligamento do sistema, fechando o ciclo. Com isto, o país sofrerá o risco de perder os benefícios de segurança energética de um sistema interligado. Esta possibilidade e’ bastente conhecida na literatura especializada e tem um nome sugestivo: “o ciclo da morte”. Em resumo, o novo imposto da ANELL que visa assassinar a produção solar distribuída brasileira promovendo, na verdade, o fim do sistema elétrico nacional.
*Lúcia Abadia, diretora de Sustentabilidade e Ações Sociais da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD)