Estertores do Atual Modelo do Setor Elétrico

Estertores do Atual Modelo do Setor Elétrico

Com base nos dados de geração utilizados no Modelo, o natural seria supor que os reservatórios das hidroelétricas deveriam estar cheios, apesar da constatação de que houve um enorme deplecionamento deles com forte perda da energia armazenada.

A aposta nas chuvas nas últimas semanas, segue de forma desenfreada, e todos nós tomamos conhecimento de notícias alvissareiras para a economia e para o setor produtivo, gerando uma base de informações onde o Brasil terá um fantástico período úmido para o setor elétrico em 2018, e que possivelmente teremos uma recuperação dos reservatórios do Sudeste ao patamar de 50%.

Para assegurar esta afirmativa as perspectivas de chuvas foram de imediato lançadas nos atuais modelos matemáticos levando a um resultado alvissareiro de uma tendência de baixa dos preços para o ano de 2018. Esta tendência se verdadeira levou a que a operação do sistema elétrico ao longo das últimas semanas descartasse a operação das termelétricas, que mesmo estando sendo consideradas como desligadas, tiveram que operar a semana com entrada e saída com custos acima de R$ 400/MWh, mantendo a ilusão de um modelo e gestão que nos parece estar esgotado.

Ao longo dos últimos 10 anos, entre crises e retomadas, a demanda média anual tem apresentado períodos de estabilidade e pequeno crescimento, tendo um incremento real 14.000 MWmed sobre uma base inicial de 51.000 MWmed, isto é um crescimento médio de 2,5% a.a. chegando a 65.000 MWmed ao final de 2017.

Para atender a este crescimento o governo organizou uma séria de ações, sendo a principal delas a contratação de energia com base em leilões regulados para atendimento ao crescimento da carga e alguns leilões especiais rateados por toda a base de consumo.

As iniciativas livres de expansão foram tímidas, embora neste período a participação do mercado livre na carga tem crescido mais de 50%, chegando a representar mais de 35% da demanda atual. O mercado livre se financiou via em cima do mercado regulado, com uma política de preços projetada com base numa oferta futura de energia elétrica em cima da placa das usinas hidrelétricas e disponibilidade de termelétricas.

O principal dado para indicar o esgotamento do modelo deriva da comparação da matriz elétrica no ano de 2008, quando a carga foi de 51 GWmed e a geração hidrelétrica foi 45 GWmed. No fechamento do ano de 2017 quando tivemos a carga no patamar de 65 GWmed a geração hidrelétrica de 46 GW incluindo as usinas hidrelétricas novas como aquelas do Rio Madeira (Santo Antonio e Jirau) e as demais usinas hidrelétricas no Sudeste, incluindo PCHs. A conta do setor – promoção do encontro entre carga e demanda – só foi atendida pela inserção e geração de usinas termelétricas, a gás natural, óleo combustível, carvão e também, mais recentemente, pelas eólicas.

Com base nos dados de geração utilizados no Modelo, o natural seria supor que os reservatórios das hidroelétricas deveriam estar cheios, apesar da constatação de que houve um enorme deplecionamento deles com forte perda da energia armazenada. Observando no mesmo período de 10 anos a principal “caixa d’água” da nossa poupança, os reservatórios do Sudeste, constata-se uma realidade distinta onde de um estoque inicial de 160 GWmed em 2008 chega-se a um patamar de 85 GWmed em 2017 e ainda, úmido e um assustador saldo de 38 GWmed ao final do período seco, no segundo maior reservatório, o do Nordeste, houve uma queda brusca da energia armazenada de 42 GWmed para 12 GWmed, praticamente esgotamento total ao final do período seco de 2017. Ocorre ainda, que para os próximos anos teremos que enfrentar a dura realidade entre energia de papel – definida pelas placas das usinas – e energia efetivamente gerada.

Como resultado da prática, enfrentamos vários desajustes no setor, inclusive e principalmente nos preços ao consumidor, decorrentes de um conjunto de ações erráticas da operação, supondo uma capacidade efetiva de geração de papel, e não concretamente de energia, promovendo momentos de alta volatilidade de preços que nada ajudam as decisões de investimento, principalmente na formação do mercado livre.

Essa cultura que se enraizou no modelo tem provocado na realização da operação do sistema uma enorme diferença entre a programação mensal do despacho das termelétricas e o efetivo despacho, ocasionando uma segunda destruição na capacidade de geração, agora no parque termelétrico, seja pelo uso não programado ou seja pelas inúmeras partidas e paradas, como se fossem palmas para maluco dançar, aumentando fortemente a indisponibilidade dos recursos termelétricos. A constatação firme da situação é que se fizermos uma média móvel das indisponibilidades seja por restrição operativa, manutenção ou econômica, vamos encontrar um fabuloso índice de 25% do parque termelétrico indisponível, situação que não é levada em conta na formação do preço e do despacho do modelo.

As saídas deste círculo vicioso do anabolizante da energia de papel somente poderá ser superado se a formulação da política setorial, pelo governo e posteriormente pelo mercado, levar em conta em suas estratégias a real necessidade do sistema com uma política de preços realista e que a operação esteja convergente a real capacidade de entrega do parque gerador nacional.