Executivo e Congresso: quatro meses decisivos para o futuro do Brasil
Os presidentes da República, Jair Bolsonaro, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, vivem uma relação de altos e baixos. No início do governo, as rusgas entre eles puseram em risco a reforma da Previdência, que acabou aprovada graças ao empenho, principalmente, do deputado. Naquela época, Maia se tornou alvo das hostes bolsonaristas, que só se referiam a ele de forma pejorativa nas redes sociais. Hoje, os tempos são outros, e os dois políticos experimentam uma fase inédita de harmonia e parceria, que pode facilitar o avanço de mais duas reformas consideradas vitais para a recuperação da economia: a tributária e a administrativa. A ideia é que esses dois projetos sejam aprovados pelos deputados até o fim do primeiro semestre, já que de julho a outubro os congressistas estarão em férias informais, chamadas de recesso branco, e se dedicarão às eleições municipais. “Não podemos achar que a solução para o crescimento do Brasil está limitada à reforma da Previdência. É preciso avançar na agenda econômica, em que há convergência entre governo e Câmara na maior parte dos temas”, disse Maia a VEJA.
O primeiro ponto de convergência é a reforma tributária. Desde o ano passado, encontra-se em tramitação uma proposta de iniciativa dos deputados que tem como objetivo simplificar a cobrança de impostos e contribuições sobre bens e serviços. O ministro da Economia, Paulo Guedes, promete apresentar um projeto alternativo, mas ainda não fechou o texto. Uma das prioridades da equipe econômica é reduzir a carga tributária das empresas de 34% para 20%, e assim desonerar a folha de pagamento. Em tese, essa medida pode levar os empregadores a abrir mais postos de trabalho. A pedido do próprio Bolsonaro, o ministério também estuda aumentar a faixa de isenção do imposto de renda da pessoa física. Como de costume, o problema está em como compensar a perda de arrecadação decorrente dessa iniciativa. Nas simulações feitas pelos técnicos, a conta não fecha. Em alguns casos, seria preciso aumentar de 27,5% para 32% a alíquota máxima do IR. Apesar de Bolsonaro rechaçar publicamente a ideia, Guedes mantém a intenção de ressuscitar a CPMF, criando um imposto sobre transações digitais. A justificativa é que assim seria possível bancar, por exemplo, a desoneração da folha.
A VEJA, Rodrigo Maia disse que não há chance de a Câmara aprovar a CPMF ou qualquer outra contribuição. “O Paulo Guedes tem uma fixação, que não é errada, por reduzir o custo da folha, mas não dá para você reduzir um custo aqui e tributar a sociedade inteira, criando um imposto que é cumulativo, que é regressivo e que não é justo”, declarou o deputado. De acordo com Maia, a proposta tributária de autoria da Casa terá prioridade sobre a do governo. “A reforma dos impostos de bens e serviços trará aumento da produtividade do setor privado, crescimento econômico e aumento de arrecadação. A desoneração completa terá de vir no momento em que houver aumento da produtividade do setor privado e diminuição do custo da máquina pública”, acrescentou. É aí que aparece o segundo ponto de convergência entre a agenda do governo e a da Câmara. Desde o fim do ano passado, Guedes planeja encaminhar ao Congresso uma reforma administrativa, a fim de promover mudanças estruturais em diversas carreiras do funcionalismo. O texto, que está pronto, ainda não foi apresentado porque o presidente Bolsonaro teme eventual repercussão negativa entre os servidores públicos, que compõem uma influente fatia do eleitorado.
A tendência é que a reforma administrativa chegue às mãos dos congressistas ainda neste mês. A proposta do governo deve ter mais a feição do presidente que a do ministro — ou seja: tende a ser mais branda que o planejado inicialmente. Suas regras devem valer apenas para os servidores contratados após a entrada em vigor da nova legislação. Uma das mudanças se dará na promoção por tempo de serviço. Hoje, um funcionário público progride na carreira com o simples passar do tempo, e não por mérito. É comum, por exemplo, chegar ao nível salarial de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em menos de vinte anos. De maneira acertada, o objetivo é estabelecer outros critérios para a ascensão profissional, como resultados, formação acadêmica e experiência na área. O governo também estuda abolir a possibilidade de um servidor ser punido num processo disciplinar e ter como pena uma “aposentadoria compulsória”, sanção que garante o recebimento do salário. Outra ideia em análise é submeter os recém-aprovados em concursos a um período probatório mais rígido, que pode variar de dois a três anos.
Para Rodrigo Maia, o governo deveria ter encaminhado a reforma administrativa ainda no ano passado. Se dependesse do deputado, seria discutida sua validade até mesmo para os atuais servidores. Uma das preocupações do parlamentar é com a pressão dos sindicatos para garantir que benefícios de hoje sejam mantidos nas novas regras, sob a alegação de que constituem direito adquirido. Diz o deputado: “O custo da administração pública e a perda de eficiência ao longo do tempo precisam de uma revisão. A cada ano que passa a sociedade está avaliando pior os serviços públicos. A burocracia é enorme e tem um custo desproporcional à capacidade de pagamento do Estado brasileiro”. Um terceiro ponto de convergência está na promessa da equipe econômica do governo de promover uma reforma do pacto federativo. No fim de 2019, Guedes enviou ao Senado um pacote de medidas para descentralizar recursos da União, repassando-os a estados e municípios. O mantra do ministro é conhecido: “Mais Brasil, menos Brasília”. Seriam liberados nos próximos anos até 500 bilhões de reais para os governos estaduais e as prefeituras.
A promessa é encantadora. O desafio é tirá-la do papel e conciliar os interesses políticos num momento de aperto orçamentário, em que a União não pode abrir mão de receitas e as unidades da federação travam briga renhida por mais verbas. No campo das divergências entre governo e Congresso, sobressai a privatização da Eletrobras. Nos últimos anos, os cargos da estatal foram distribuídos entre partidos políticos, em troca de seus votos no Congresso. O MDB foi o maior donatário dessa capitania e hoje conta com o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, na resistência à privatização. Mesmo os defensores da medida alegam que o ideal neste ano seria o governo explicar aos congressistas e à população por que a Eletrobras tem de ser privatizada. Mais do que isso: o governo deveria bolar uma proposta deixando claro que o dinheiro obtido com a venda da estatal não recheará apenas os cofres do Tesouro Nacional, mas será repartido com a população. Eunício Oliveira, ex-presidente do Senado, chegou a propor a Bolsonaro que parte da verba obtida fosse usada na revitalização do Rio São Francisco. Há senadores influentes favoráveis a essa proposta.
Na quarta-feira passada, Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para um almoço. Sem cerimônia, exortou os convidados a trabalharem juntos, porque eles “representam o futuro do Brasil”. O anfitrião aposta em sua agenda econômica para fazer o país crescer ao menos 4% em 2022, o que ajudaria em sua campanha à reeleição. Maia, seu parceiro de empreitada, também acha que colherá dividendos eleitorais caso as reformas avancem. Independentemente dos projetos pessoais deles, é certo que o Brasil sairá ganhando com a modernização de uma máquina administrativa pesada e cara.