Falta de conexão entre preço e realidade
O modelo de formação dos preços da energia trabalha, desde sua criação, com valores calculados por modelos computacionais que refletem a operação do sistema elétrico nacional.
Nesses mais de dez anos do modelo, diversos avanços têm sido feitos para fazer com que o preço final da energia reflita da maneira mais próxima possível a operação do parque gerador brasileiro conforme as projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Um dos principais avanços neste sentido foi a consideração de um mecanismo de aversão ao risco no modelo, o CVaR, cujos parâmetros foram recentemente revisados, sob a ideia de se obter uma maior aderência entre modelo e realidade.
Os acontecimentos das últimas semanas indicam, no entanto, que, mesmo com o CVaR mais “avesso ao risco”, ele não foi suficiente para garantir que os preços reflitam a realidade da operação do sistema. O fato é que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) desabou de forma surpreendente na última semana de maio, sem que houvesse uma melhoria estrutural significativa na operação do setor, passando de R$ 478 por MWh (média no subsistema Sudeste na quarta semana de maio) para R$ 119 por MWh na semana seguinte. Essa variação se deu em pleno início da estação seca na maior parte do País, em que são preocupantes as condições de operação do sistema até a próxima estação chuvosa (prevista apenas para o final do ano). Ou seja, diferente do que sinaliza o preço, os custos esperados são altos para manter a segurança nessa situação.
O acompanhamento dos dados de operação do sistema indica que uma chuva forte pouco usual nos estados da Região Sul e pouca alteração nas perspectivas de operação das demais regiões do país foram suficientes para a nova configuração do PLD agora em vigor. O problema é que estamos caminhando para uma estação seca e os reservatórios das hidrelétricas estão baixos – no dia 30 de maio, por exemplo, tinham 41,9% de água, contra 54,7% no mesmo dia do ano passado. Não é, portanto, uma chuva fora de hora numa região específica do País que vai melhorar a situação, mas sim economizar água utilizando as térmicas.
Atento a essa situação, o ONS continua corretamente utilizando praticamente o mesmo volume de térmicas antes da revisão do preço. No dia 24 de maio, por exemplo, foram acionados 10,726 MW médios de térmicas convencionais; uma semana depois, o montante seguia em 10,358 MW médios.
Ora, que sinal de preços pouco prudente! A operação continua com suas mesmas práticas e os custos não vão mais para o preço, mas serão pagos por encargos. A previsão da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é que o Encargo de Serviços do Sistema por Segurança Energética deve passar de R$ 7,71 milhões em maio para R$ 44,50 em junho. Por outro lado, o consumidor final é estimulado a utilizar mais energia, pois o acionamento da bandeira verde indica que as condições estão melhores na comparação com o mês anterior. O problema é que nada mudou, a não ser um sinal de preço não conectado com a realidade. Nesse sentido, vale lembrar que a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) manifestou, nesta semana, sua preocupação com essa mudança pouco sustentável das bandeiras e estuda alternativas para melhorar a metodologia da sua definição. O objetivo é conter as fortes oscilações nas cores das bandeiras em casos de alteração momentânea das condições meteorológicas.
Mas, mais do que mudar especificamente o cálculo das bandeiras propriamente ditas, é preciso rever todas as condições de formação de preços. A sensibilidade excessiva do modelo em relação a variações momentâneas tem de ser substituída por uma análise que realmente contemple a realidade futura do sistema.