Governo cria comitê para garantir fim do monopólio do gás
O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta semana, um decreto criando um comitê interministerial para coordenar a implementação de uma série de medidas que levarão à abertura do mercado do gás, hoje concentrado na Petrobras.
O Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN) será formado por representantes da Casa Civil, dos ministérios da Economia e de Minas e Energia, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
Sua missão será monitorar as diversas ações definidas pelo governo, com base nas diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Ao longo dos próximos quatro anos, será tarefa da ANP definir regras que garantam a independência na rede de transporte de gás e acesso amplo aos dutos por preços justos.
Em discurso, o presidente Jair Bolsonaro ressaltou que a medida é uma forma de garantir mais produção de energia a preços mais baratos. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que, “com o alvorecer do novo mercado, até 2029, a nossa produção passará dos atuais 124 para 267 milhões de metros cúbicos de gás por dia”.
“Estamos promovendo um choque de oferta”, disse o ministro Paulo Guedes. “Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro que permitiu esse alinhamento de astros para que isso acontecesse. No Brasil são poucos produtores, mercados cartelizados, preços caros e ainda por cima chuva de impostos. Sobra o quê? Sobra pouco. Por isso, estamos despertando essas forças competitivas.”
Pelos cálculos de Guedes, em dois anos, o preço do gás deve cair pelo menos 40%. “Aqui é US$ 14 (por milhão de BTU), na Europa é US$ 8, Japão, US$ 8, nos EUA, US$ 3. Aqui, só com o choque de oferta, temos de chegar a US$ 7 pelo menos.”
Nas simulações mais otimistas do governo, o preço pode cair até 50% já no primeiro ano. Segundo as estimativas mais otimistas do Ministério da Economia, o impacto mais forte ocorrerá nos primeiros cinco anos. Caso o preço do gás caia 30% no primeiro ano, o impacto previsto no PIB da indústria será de 6,34%. Se a queda for de 50%, o PIB sobe 10,5%, e, se o preço cair somente 10%, o PIB se eleva em 2,1%.
Segundo a Nota Técnica que embasa a criação do comitê, “os benefícios econômicos esperados com o Novo Mercado de Gás (NMG), o qual, em conjunto com a aprovação da reforma previdenciária, pretende ancorar a retomada do crescimento econômico brasileiro.”
Para os técnicos do governo, com a redução dos custos para a indústria, haverá uma reação em cadeia, ativando a produção em outros setores. A nota, no entanto, não leva em consideração, a ociosidade do parque industrial no País que, em muitos casos, ultrapassa 60%.
A consolidação do novo mercado de gás se apoia em dois acordos fechados, entre junho e julho, entre a Petrobras e o Cade e que preveem a retirada da estatal do mercado de transporte e distribuição de gás até 2021.
A empresa aceitou trocar dois processos sancionatórios por práticas anticompetitivas pela implementação de seu plano de desinvestimento, tanto no gás quanto no ramo petroquímico com a venda de oito de suas 13 refinarias.
No gás, a Petrobras venderá sua participação minoritária remanescente (10%) tanto na TAG (Transportadora Associada de Gás) quanto na NTS (Nova Transportadora do Sudeste). Também venderá o controle (51%) no gasoduto Brasil-Bolívia e sua participação em 19 distribuidoras estaduais.
Para estimular a entrada de novos competidores nos estados, que hoje controlam a distribuição, o governo quer incluir no Plano de Fortalecimento de Estados e municípios (PFE) e no Plano de Estabilização Fiscal (PEF) mecanismos que obriguem os governadores a privatizarem suas companhias em troca de autorização da União para novos empréstimos ou uma participação maior na distribuição de royalties do petróleo no leilão dos blocos do pré-sal.
Diretrizes de leilões podem ter mudanças para favorecer térmicas a gás
As diretrizes dos leilões de geração de energia elétrica podem mudar substancialmente a partir do ano que vem, segundo o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Reive Barros. De acordo com ele, os leilões deste ano estão seguindo o que foi proposto em 2018 porque não haveria tempo hábil para executar potenciais alterações, mas propostas têm sido feitas para inovações que tendem a ser incorporadas para os leilões entre 2020 e 2021.
Barros não indicou o prazo para que as novas diretrizes sejam apresentadas, mas indicou que não seria antes do quarto trimestre. Entre as mudanças que podem ocorrer estão regras que favoreçam a contratação de termelétrica a gás natural “na ponta”, ou seja, no horário de pico de consumo, indicou, sem dar detalhes. A ideia é estimular projetos que utilizem a esperada produção do insumo nas áreas do pré-sal.
Além disso, o governo espera que o gás do pré-sal possa ser utilizado em térmicas que hoje têm contratos de suprimento com a Petrobras, com subsídio do governo, no âmbito do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), cujo prazo se encerra até 2024.
O ministério ainda pretende criar mecanismos para permitir que térmicas da Petrobras que hoje operam no mercado de curto prazo, as chamadas “usinas merchant”, possam ter contratos de longo prazo e assim adquirir gás do pré-sal.
Parte dessa capacidade a ser contratada deve substituir cerca de 5 mil megawatts de usinas térmicas a óleo já instaladas e com contratos que vencerão entre 2023 e 2025, propiciando uma energia mais barata e menos poluente.
Medidas indicam esforço para garantir abertura
A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) considerou positiva a oficialização do Novo Mercado de Gás realizada na terça-feira, mas salienta que a efetiva abertura do mercado é um processo longo e complexo, com muitas etapas a serem concluídas. “É preciso garantir que a proposta vá adiante. A criação do Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural (CMGN) sinaliza um esforço para garantir a conclusão do projeto”, declarou o presidente da entidade, Carlos Faria, em nota.
Dentre as complexidades, o dirigente citou o desafio da construção da infraestrutura para garantir o aumento da oferta de gás. “É necessário a construção de mais dutos e os projetos vão enfrentar restrições ambientais e o adensamento populacional em algumas localidades”, diz.
A Anace lembra que, no que diz respeito à expansão da infraestrutura, o CMGN precisará definir se a rede de transportes será ampliada por meio de leilões ou por outra metodologia, entre outras decisões importantes. Segundo Faria, ter um único comitê para comandar as etapas evita que a proposta fique parada por conta de conflitos de interesses.
Faria também destaca o fato de o segmento de distribuição ser controlado por estados. “Isso exige lidar com as concessões e legislações diferentes em cada unidade da federação”, afirmou, acrescentando também o processo de venda das participações da Petrobras em diversas distribuidoras.