Governo espera protagonismo de estrangeiros em novo leilão de energia
Na quinta-feira, serão vendidas licenças para 17 linhas de transmissão, com investimentos de R$ 4,2 bilhões
RIO – Ao contrário da frustração do megaleilão de petróleo, em novembro, o governo espera que investidores estrangeiros repitam no certame de linhas de transmissão de energia elétrica marcado para a próxima quinta-feira o protagonismo que vêm desempenhando no setor.
O governo vai oferecer ao mercado licenças para a construção e operação de 17 linhas de transmissão e 16 subestações, que devem gerar investimentos de R$ 4,18 bilhões, mas espera maior interesse de fora também em projetos de geração e distribuição.
Somente nos três últimos leilões de energia — dois de geração, realizados neste ano, e um de transmissão, no ano passado —, investidores estrangeiros arremataram projetos que somam R$ 22,2 bilhões em investimentos no país.
A cifra corresponde a 69% do total de aportes previstos nos projetos licitados, de R$ 32 bilhões, segundo o Ministério de Minas e Energia.
O leilão de quinta-feira será um termômetro do interesse crescente de empresas estrangeiras pelo setor de energia no Brasil. Especialistas veem interesse de empresas de países como China, Índia, Colômbia, Canadá, EUA, além de países da Europa, como França, Itália, Espanha, Reino Unido e Noruega.
Um dos principais motivos do interesse dos estrangeiros é o modelo de licitação brasileiro, bem-avaliado pelo mercado, embora empresas e especialistas apontem aperfeiçoamentos na regulação que ainda podem ser feitos para atrair mais investidores não só para a transmissão, mas também para projetos de geração e distribuição de energia.
Além disso, a desvalorização do real frente ao dólar torna os ativos no Brasil mais atraentes para quem vem de fora. A perspectiva de privatização da Eletrobras, maior geradora do país, e de estatais estaduais de distribuição deve abrir mais oportunidades para estrangeiros a partir do ano que vem.
Diferentemente do leilão do petróleo, no certame de transmissão de energia vence a empresa que oferecer a menor tarifa estipulada no edital do leilão em vez do bônus mais alto ao governo pelo direito de explorar o projeto. Com o apetite de investidores estrangeiros, é esperada forte disputa.
Reive Barros, secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, destaca que o Brasil é um dos únicos países do mundo a oferecer contratos de longo prazo, entre 20 e 30 anos, o que ajuda a atrair interessados de fora:
— No exterior, a média dos contratos é de cinco anos — destaca o secretário. — A expectativa é positiva para o próximo leilão de transmissão. A previsão é que a quantidade de participantes fique no mesmo patamar dos leilões anteriores.
A colombiana Isa CTEEP arrematou dez lotes em leilões de transmissão no Brasil nos últimos três anos, totalizando investimentos de R$ 2,9 bilhões.
A chinesa State Grid Brazil Holding, que atua na área de transmissão, já investiu R$ 30 bilhões no Brasil nos últimos nove anos. Atualmente, a gigante asiática opera 15.700 quilômetros de linhas de transmissão em 14 estados.
“A State Grid está analisando os lotes do próximo leilão de transmissão previsto para o dia 19 de dezembro deste ano e também está buscando oportunidades de aquisição de novos ativos de transmissão”, disse a chinesa em nota.
Para a State Grid, o desafio de sua atuação no Brasil está na diversificação das fontes de geração de energia no país com o avanço da eólica e solar, o que vai demandar mais investimentos em linhas de transmissão e no negócio de distribuição.
Diversificação em geração
Entre as empresas focadas em geração de energia, o foco é o médio e longo prazos. A norueguesa Statkraft, que comprou um conjunto de pequenas centrais hidrelétricas da EDP em 2018, emplacou no leilão de geração de energia dois projetos de geração eólica na Bahia que vão consumir investimentos de R$ 2 bilhões nos próximos anos.
Segundo Leoze Maia Júnior, diretor Financeiro da Statkraft no Brasil, a ideia é ampliar os investimentos no Brasil e investir em novas fontes, como a solar. Por isso, a companhia já está desenvolvendo novos projetos para os leilões de 2020. O executivo lembra que o Brasil hoje é um dos únicos países no mundo com boas oportunidades no setor, mas espera modernização nas regras:
— A meta é que até 2021 nossa capacidade de geração de 450 megawatts aumente em quatro vezes. Mas, do lado regulatório, há desafios. Há discussões no governo envolvendo a abertura do mercado livre, a revisão dos subsídios de fontes renováveis e a diferenciação de preços na energia por faixa de horário. Estamos participando de todas essas discussões.
A francesa Engie, que comprou a rede de gasodutos TAG, da Petrobras, e é atualmente a maior geradora privada de energia do país, prevê investimentos de R$ 1,7 bilhão em 2019 e de R$ 2,4 bilhões para 2020. Segundo Maurício Bähr, diretor executivo da Engie Brasil, o país oferece condições estáveis e perspectivas positivas num ambiente de evolução da legislação e da regulação geral:
— Este ano, investimos R$ 32 bilhões na aquisição da TAG e estamos avaliando outras oportunidades em áreas ligadas à estratégia de transição energética rumo a uma economia de baixo carbono. Hoje, o país já é o maior mercado do nosso grupo fora da Europa. Grandes empresa internacionais não podem prescindir de estar presentes no país diante do tamanho e do volume de oportunidades em infraestrutura, com destaque para energia e gás.
Menos oportunidades em distribuição
A italiana Enel, maior operadora privada de energia do mundo, anunciou a previsão de investir mais de R$ 20 bilhões no Brasil entre 2020 e 2022, mais da metade do previsto para a América Latina no período.
Francesco Starace, presidente mundial da Enel, afirmou que a companhia segue confiante no marco regulatório do país, inclusive para resolver o imbróglio que enfrenta em Goiás desde que adquiriu a distribuidora de energia do estado. O governo estadual ameaça reestatizar a empresa por causa de falhas no abastecimento.
O segmento de distribuição, que é o responsável por entregar a energia ao consumidor final, também atrai estrangeiras por causa da estabilidade nas receitas. No entanto, há atualmente poucas oportunidades para a compra de distribuidoras no país. A última foi a venda de seis empresas deficitárias da Eletrobras que abastecem cidades no Norte e no Nordeste. Restam os negócios entre as empresas privadas.
Atualmente, são 53 concessionárias de energia em todo país, que respondem por mais de 90% da distribuição de energia. Cinco estados ainda controlam distribuidoras e há outras sete de pequeno porte em municípios. No entanto, somente Rio Grande do Sul e Distrito Federal já iniciaram processo de privatização de suas distribuidoras.
O governo gaúcho conta com apoio do BNDES para definir a modelagem da venda da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). O banco de fomento também prepara a venda da Companhia Energética de Brasília (CEB), prevista para 2020 com potencial de render em torno de R$ 2 bilhões aos cofres do DF. De acordo com uma fonte envolvida no processo, já há uma empresa chinesa e uma brasileira interessadas.
Minas Gerais pretende se desfazer do controle da Cemig até 2021. Paraná e Santa Catarina informaram que não cogitam essa possibilidade para Copel e Celesc. O governo paranaense pôs à venda a a Copel Telecom, cujos recursos serão revertidos na expansão da distribuidora de energia. Uma dificuldade dos governadores para privatizar distribuidoras é a forte oposição política local e de sindicatos às privatizações.
De acordo com Alexandre Americano, presidente da consultoria Mercúrio Partners, as estatais são atraentes para investidores estrangeiros pela possibilidade de aquisição de um ativo com baixo preço devido ao histórico operacional ruim e à desvalorização do real.
Mais segurança para investidores
Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ, lembra que, nos últimos anos foram feitas mudanças importantes na regulação do setor de energia como um todo, para ajudar na atração de investimentos.
Ele cita, por exemplo, o aumento na duração dos contratos em caso de atraso no licenciamento ambiental e remuneração anual antecipada se as obras forem concluídas antes do previsto em contrato.
Para o especialista, no entanto, a redução da participação do BNDES nos financiamentos do setor faz falta. Os desembolsos do banco de fomento do setor elétrico caíram de um patamar anual de cerca de R$ 17 bilhões entre 2013 e 2015 para algo em torno de R$ 8 bilhões desde 2016.
— Os leilões têm atraído investidores estrangeiros porque os ativos têm liquidez e contratos longos. É algo diferente do petróleo, no qual o risco é maior. Mas há desafios. Com a redução dos financiamentos do BNDES, existe chance de faltar recursos quando a economia voltar a crescer. Não é qualquer banco que financia bilhões em projetos de longa duração — diz Castro.
No último leilão de geração, a demanda de projetos chegou a 70 gigawatts (GW), bem maior que os 3 GW contratados e previstos no edital. Ou seja, houve um interesse muito maior dos investidores do que foi planejado pelo governo. Especialistas lembram que se a economia do país voltar a crescer 3% ao ano, o aumento da capacidade no certame deve ser de 6 GW.
Mikio Kawai Júnior, diretor executivo da consultoria Safira Energia, também vê no ambiente regulatório mais estável um fator de atração de investimentos para o setor e destaca o papel do mercado de capitais no financiamento dos projetos:
— Ajudou também a redução dos juros básicos, o que aumenta a propensão ao investimento. Com isso, o Brasil deve seguir uma tendência mundial de usar taxas de mercado e menos juros subsidiados do BNDES.