Menor risco de faltar energia, maior tarifa na conta de luz
Governo adotará regras mais rígidas para garantir segurança no abastecimento. Custo vai para consumidor
O governo vai mudar a fórmula usada para calcular o risco de faltar energia a partir de maio, o que deve aumentar os preços no mercado livre, no qual grandes consumidores escolhem de quem comprar energia. O que poderia parecer apenas uma questão técnica do setor elétrico vai pesar no bolso do consumidor.
Antes mesmo da mudança, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já anunciou que a bandeira amarela será acionada em março, o que significa cobrança extra de R$ 2 a cada cem quilowatts/hora (Kw/h), em razão do uso de termelétricas do Nordeste. Com a adoção de novos parâmetros de cálculo no setor, a cobrança extra deve vigorar até o fim do ano.
A própria Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) – responsável pela liquidação dos contratos de compra e venda de energia no mercado livre – prevê preços elevados, que levarão ao uso da bandeira amarela de maio a outubro.
VOLUME MENOR DE CHUVAS
O sistema de bandeiras tarifárias indica o custo de geração da energia. Quando o nível dos reservatórios cai e é necessário acionar usinas termelétricas, são aplicadas as bandeiras amarela ou vermelha, que representam cobrança extra na conta de luz. O uso das termelétricas tem impacto no preço da energia no mercado livre, de curto prazo, chamado tecnicamente de Preço de Liquidação das Diferenças (PLD). O gatilho para a mudança de patamar é quando o preço supera a barreira dos R$ 211,28 por megawatt/hora (MW/h).
Neste mês, o valor das bandeiras já sofreu mudanças. A amarela passou de R$ 1,50 para R$ 2 a cada cem quilowatts/hora (Kwh). A vermelha nível 1 permaneceu em R$ 3. A vermelha nível 2 caiu de R$ 4,50 para R$ 3,50.
Marcelo Parodi, sócio da Compass, empresa comercializadora de energia, explicou que, com a nova metodologia que será implantada a partir de maio, o modelo de operação do sistema elétrico vai ficar mais seletivo. Segundo ele, se chover menos, as usinas termelétricas serão acionadas mais rapidamente:
– As mudanças nos cálculos no sistema vão elevar os preços da energia.
A Compass fez uma simulação a pedido do GLOBO, considerando que a nova metodologia estivesse em vigor desde o início do ano. Com a nova metodologia, o consumidor já estaria com a bandeira amarela na última semana de fevereiro, quando os preços da energia chegariam a R$ 214 por MW/h contra os R$ 132 registrados com a sistemática atual.
Para Roberto Castro, conselheiro da CCEE, as mudanças de regras têm a finalidade de aproximar o modelo de operação da realidade, o que terá efeito positivo, apesar da perspectiva de cobrança extra na conta de luz: – O sistema vai ter mais robustez. O volume de chuva neste primeiro bimestre foi inferior ao de anos anteriores. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em janeiro, as chuvas ficaram em 73% da média dos últimos anos no Sudeste/Centro-Oeste. No Nordeste, o percentual foi de 32% da média histórica e no Norte, de 42%.
– A gente está com os reservatórios abaixo da média do ano passado no mesmo período – resume Parodi.
O papel de planejamento do mercado de energia no país é exercido pelo ONS. É ele quem define quais usinas e a quantidade de energia será gerada. Para isso, usa um complexo modelo de cálculo. O que está mudando agora é um dos componentes dessa equação, o parâmetro de risco usado na conta, que será mais rígido, considerando os piores cenários para o volume de chuvas.
– O efeito disso, não aumentando as chuvas nos próximos meses, é elevar o uso das térmicas. E deve acionar a bandeira tarifária. Mas traz mais segurança ao sistema, com menos riscos de faltar energia – disse Lucas Rodrigues, analista de mercado da Safira Energia.
‘COMO CONSUMIDOR, É PÉSSIMO, MAS DÁ SEGURANÇA’
Para Luiz Eduardo Barata, diretor-geral do ONS, os novos parâmetros conseguirão determinar a entrada em operação das usinas termelétricas com mais antecedência, o que ajudará a preservar o nível dos reservatórios e dará mais previsibilidade ao setor:
– O sistema vai ficar mais avesso ao risco e mais aderente à realidade. O modelo será capaz de antecipar o despacho (entrada em operação) de térmicas mais baratas, evitando despachar térmicas mais caras no futuro.
Ainda assim, a avaliação do mercado é que não será possível evitar que a bandeira amarela permaneça em vigor a partir de maio.
– Vamos ter preços mais altos no mercado cativo com o acionamento das bandeiras tarifárias. Acho que vamos ter bandeira amarela na maior parte do ano, considerando o atual nível de chuvas – disse Raimundo Batista, presidente da comercializadora Enecel Energia.
Para Roberto Lima, do Souza Cescon Advogados, o cenário será mais realista:
– Com isso, o sistema fica mais seguro de que não faltará energia, porque as térmicas serão acionadas antes de que os reservatórios fiquem muito vazios, evitando o risco de faltar energia. Como consumidor, isso é péssimo, mas dá mais segurança ao sistema. É o preço. O custo mais alto na tarifa com as bandeiras estimula o consumidor a ter um uso mais eficiente da energia.