Mercado livre de energia: ordem para o progresso
Foi muito gratificante encontrar no artigo Energia solar fotovoltaica: a nova onda do mercado livre elementos que apontam para o desenvolvimento sustentável da geração distribuída do Brasil, coerentemente com a retomada de abertura do mercado livre de forma cadenciada, livre de subsídios tarifários e, por isso, sadia a benefícios de todos. Ler aquele artigo, inclusive, foi como reler o Geração Distribuída 2.0: uma nova aurora, publicado no fim do ano passado neste veículo.
Tão importante quanto estabelecer uma visão de futuro para o setor elétrico – considerando as potencialidades e complementaridades entre as fontes de energia, bem como a otimização dos Recursos Energéticos Distribuídos pelas redes elétricas – foi reconhecer tacitamente que as políticas de incentivo às fontes renováveis obtiveram êxito no Brasil. No decorrer dos últimos 15 anos, desde a criação do PROINFRA pela Lei 10.438/02 e da Resolução Normativa 482/12 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os ganhos de escala, de tecnologia e de competição tornaram essas fontes sustentáveis também na dimensão econômica, inclusive a micro e minigeração distribuída (MMGD). Os resultados do recente leilão de energia nova A-4 de 2019 bem como as extraordinárias Taxas Internas de Retorno dos empreendimentos em MMGD selam a missão cumprida dos subsídios tarifários e abrem espaço para uma inserção mais sustentável no mercado de energia elétrica.
Superada as discussões sobre o término da política de subsídios para atividade econômicas maduras, aguardando apenas o devido endereçamento legal e regulatório, começa a tomar pauta a questão de como viabilizar a abertura do mercado livre e garantir a confiabilidade e a adequabilidade do suprimento de energia elétrica que são bens públicos, de interesse coletivo e, por isso, de responsabilidade dos ambientes de comercialização de energia: livre e regulado.
Nesta investigação, recorremos para algumas reflexões do filósofo e economista John Stuart Mill, um dos principais clássicos do liberalismo político e socioeconômico de meados de século 19. Em seus textos deparamo-nos com as ambiguidades dos enunciados positivistas de “Ordem e Progresso” para a evolução de uma civilização e a constituição de um bom governo. Em apertada síntese, Ordem e Progresso não devem ser vistos como objetivos da formação de uma nação.
Apesar de volições parecidas, a diferença de intensidade do ímpeto de inovação para a busca do progresso – quesito menos relevante para a preservação da ordem – é o verdadeiro objetivo de evolução de uma sociedade. Dessa forma, na concepção de Mill, a Ordem seria a condição sine qua non para obter o Progresso. Cabe salientar que o progresso idealizado por Mill não se faria por dilapidar as condições constituídas no presente… ou seja, uma simples, mas clara dimensão de desenvolvimento sustentável no ideário do liberalismo clássico que se faz presente, apesar de pouco compreendido, em nossas discussões contemporâneas.
Num sentido mais restrito da reflexão de Mill e aplicado ao nosso setor elétrico, é necessário discutir, endereçar e, principalmente, resolver a questão da garantia do suprimento de energia. Por exemplo, grande parte das usinas termelétricas são contratadas pelo ambiente de comercialização regulada, via as distribuidoras de energia elétrica, como resultado dos leilões de aquisição de energia nova estabelecidos pelo governo, conforme planejamento da Empresa de Pesquisa de Energia. Nos momentos de escassez sazonal das fontes primárias renováveis, com destaque às hidroelétricas, aquelas centrais são acionadas, conforme decisão racional do Operador Nacional do Sistema Elétrico, para garantir o suprimento de energia a todo o mercado, seja livre ou regulado.
Contudo, a preços elevados e, inclusive, indicam o hasteamento das bandeiras tarifárias pela ANEEL que incide apenas no mercado regulado. Devemos lembrar também que os custos das usinas de Itaipu e Angra I, ambas relevantes para a segurança energética nacional, são arcadas pelos consumidores do mercado regulado. Fato que pressiona, ainda mais, a tarifa do mercado regulado em comparação aos preços negociados no mercado livre.
O mercado livre de energia elétrica e os negócios oriundos dos Recursos Energéticos Distribuídos devem crescer objetivando a maior autonomia e responsabilidade dos consumidores e dos prosumidores. Não obstante, é fundamental a redução do Custo Brasil e não somente sua redistribuição que ocorre quando a garantia do suprimento, oferecida com melhores atributos pelas centrais termoelétricas, Itaipu e Angra I, é arcada quase que exclusivamente pelo mercado regulado. Essa questão não deve ficar subjugada perante outras prioridades de governo, sob pena de ampliarmos os subsídios cruzados no país. Sabemos que não é uma tarefa simples, mas é necessária para um mercado de energia sustentável e livre de subsídios injustos. Relembrando Mill: “…o antagonismo (que não se confunde com uma simplória posição contrária) é a única forma de garantir ininterruptamente o Progresso”.
O momento é propício, haja vista as atividades em curso no Ministério de Minas e Energia sob égide do grupo de trabalho constituído para a modernização do Setor Elétrico Brasileiro e discussões no Congresso Nacional nos PL 1917/15 e PLS 232/16. Nossas contribuições são para que as discussões organizadas com diversos agentes e com a sociedade estabeleçam Ordem aos regramentos para fomentar o Progresso do Mercado Livre e dos Recursos Energéticos Distribuídos a benefício de toda a sociedade.
*Marcos Madureira e Marco Delgado são, respectivamente, presidente e diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee)