Mesmo com energia em excesso, preço baixo não é repassado a todos os consumidores
BRASÍLIA – Investimentos bilionários realizados nos últimos anos proporcionaram uma sobra estrutural de energia, mas isso não tem se traduzido em preços mais baixos – ao menos, não para todos. Mesmo com o avanço de empreendimentos eólicos e solares, a água ainda é o item que mais influencia nos preços de energia no País. O aumento das chuvas nas últimas semanas ajudou na recuperação dos reservatórios das hidrelétricas e reduziu o valor da energia no mercado de curto prazo (PLD). Na prática, porém, esse efeito não chega à maioria dos consumidores.
Isso porque, além da energia em si, que representa 33%, as contas de luz embutem custos de transmissão (7%), distribuição (19%), subsídios (10%) e impostos (31%), em média, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). E é por meio da exploração de assimetrias de mercado sobre essas outras parcelas que alguns consumidores estão conseguindo economizar, explica o presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa.
“Temos hoje diferentes mercados, com lógicas distintas, e há uma contaminação de custos entre cada um deles. Não se ganha dinheiro quando se apresenta um produto melhor e mais barato. Alguns exportam custos para que outros paguem. Isso gerou um ambiente extremamente complexo e que induz comportamentos oportunistas”, diz. “Claro que o problema não está nos que tentam não pagar os custos absurdos do setor, mas no acúmulo desses custos. E é isso que precisa ser enfrentado.”
Consumidores do mercado livre que contratam voluntariamente renováveis não são cobrados pelos custos da geração termelétrica – imprescindíveis para que o sistema se “mantenha de pé”, do ponto de vista da operação. As termelétricas, necessárias para compensar a intermitência de produção das renováveis, são contratadas forçadamente para o mercado regulado e completamente pagas pelos consumidores cativos.
Consumidores especiais (consumidores livres que compram energia renovável) têm desconto de 50% nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, e autoprodutores, que geram sua própria energia a partir de fontes renováveis, acumulam esse mesmo desconto com a isenção do pagamento de encargos setoriais, que custeiam subsídios e incentivos, e dos encargos técnicos – como o Encargo de Serviços do Sistema (ESS).
Finalmente, donos de painéis fotovoltaicos ou fazendas solares não pagam nem as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, nem os encargos setoriais, e não remuneram a distribuidora local pela operação e manutenção do sistema de distribuição.
É uma “mistureba” total entre custos e sua alocação, nas palavras do presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso. Em alguns casos, avalia, existe o risco de se criar uma “espiral da morte”.
A metáfora citada por Barroso é uma tentativa de explicar um movimento que se acentuou nos últimos anos no setor elétrico: um consumidor regulado migra para outro ambiente – mercado livre, mercado livre incentivado, autoprodução ou geração distribuída – e deixa sua parcela da conta para ser paga pelos consumidores que permaneceram no ambiente regulado. Quanto maior a conta, maior a pressão migratória, e quanto maior a migração, maior a conta a ser paga pelos consumidores regulados remanescentes.
Para o secretário de Desenvolvimento de Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria, somente a aprovação do novo marco do setor elétrico no Congresso (PLS 232/2016) pode endereçar soluções para esses problemas.
“Se a oferta de energia cresceu nos últimos anos mais do que a demanda, por que o preço ao consumidor residencial explodiu? Por um conjunto de falhas regulatórias que concentraram no mercado regulado todos os custos”, afirma. “O novo marco do setor elétrico tem como principal missão acabar com as arbitragens regulatórias que existem, tanto por fonte quanto por tipo de consumidor. Só assim teremos um mercado efetivamente livre e justo.”