Na energia, promessa de diálogo

Na energia, promessa de diálogo

As discussões realizadas pela equipe que integrou o Ministério de Minas e Energia (MME) até abril deste ano devem servir de norte para a área em um eventual governo de Jair Bolsonaro, que aposta no diálogo intenso com o setor elétrico para garantir as reformas estruturais consideradas necessárias no curto e longo prazo.
Segundo Luciano de Castro, professor da Tippie College of Business da Universidade de Iowa e principal auxiliar do candidato nas questões do setor energético, a consulta pública 33, que recebeu centenas de contribuições para tratar da reformulação do marco regulatório do setor elétrico, deve ser uma referência, mas não da forma prevista até então. “O caminho geral, que eu vejo, é sermos mais ambiciosos que a CP 33, mas isso vai depender das condições que vamos encontrar, sem autoritarismo”, disse, em entrevista ao Valor.
Ele não quis, contudo, detalhar quais medidas debatidas na consulta pública serão ou não mantidas. “Vários prazos foram alongados, colocados lá na frente. Mas prefiro não falar especificamente quais”, afirmou.
A estratégia da equipe energética do candidato será iniciar debates com os agentes do setor assim que sair o resultado do segundo turno das eleições, em 28 de outubro. “Essa conversa terá um caráter de desencadear certo entusiasmo pelas mudanças, que trazem medo”, disse Castro.
Já no fim de outubro, começo de novembro, o grupo envolvido com o setor elétrico começará a trabalhar no esforço da transição. “Vão ser necessárias uma série de reformas, queremos preparar isso em novembro e dezembro”, disse.
Ao mesmo tempo em que começará a discutir as mudanças estruturais, a equipe de Bolsonaro pretende se concentrar em ajudar o governo atual a resolver a judicialização do déficit de geração das hidrelétricas (GSF, na sigla em inglês) no mercado à vista de energia, que já trava R$ 9 bilhões em recursos e pode paralisar os negócios nesse ambiente de contratação.
Castro mencionou o projeto de lei que está no Senado que, além de resolver questões que prejudicam a privatização das distribuidoras da Eletrobras, também resolve a guerra de liminares do GSF. “Vamos tentar trabalhar em conjunto para adiantar a solução dos problemas o mais rapidamente possível, porque essa paralisação do mercado à vista é algo muito preocupante e não pode mais ser empurrada com a barriga”, disse.
Uma solução estrutural para o problema do GSF, necessária no contexto de abertura gradual do mercado livre de energia, ainda dependerá de discussões com o setor. “O MRE [mecanismo de realocação de energia, condomínio que reúne os contratos das hidrelétricas] vai precisar ser revisto. A forma de fazer vai depender de uma série de detalhes que vão emergir dessas conversas e visitas aos agentes do setor”, afirmou, completando que haverá “absoluto respeito pelos contratos existentes.”
O professor também falou em rever questões como as regras de expansão da matriz energética, hoje muito dependente do mercado regulado (das distribuidoras) “Existem muitas alternativas melhores do que as que estão aí. Antes de apontar de fato o que pode ser o caminho, vamos discutir com os agentes.”
Questionado sobre fala recente de Bolsonaro contra a privatização da Eletrobras, Castro disse que a definição caberá ao presidente. “A equipe faz indicações de um lado ou outro”, disse. Segundo ele, a forma como a privatização da estatal vinha sendo conduzida, com descontratação da energia sob concessão da estatal, chama a atenção pelo fato de que um mercado competitivo pressupõe a ausência de grandes agentes com poder de mercado. “O processo teria que ser revisto. Não digo profundamente modificado, mas precisa ser revisto. O que de fato vai acontecer é uma coisa: os técnicos vão levar ao presidente as recomendações e vários aspectos relacionados.”
Também não há definição sobre a composição da equipe energética do eventual governo de Bolsonaro, que deverá buscar “os melhores nomes”, com foco em aspectos técnicos, disse Castro.
A popularidade do capitão reformado é um trunfo com o qual essa equipe inicial conta para compor um time técnico de qualidade, debater as mudanças necessárias com o setor e aprovar as medidas num Congresso cada vez mais fragmentado. “Temos interesse em usar a força que saiu das urnas, algo que não houve no governo anterior, essa mensagem clara que o povo brasileiro está dando de mudar a direção do país e buscar menos participação do Estado”, disse Castro.
A estratégia é usar a “força das urnas” para reforçar a legitimidade do governo para implementar as medidas necessárias. “Ele conhece os deputados, a vida na Câmara, e vai poder orientar a equipe dele para as reformas que fazem mais sentido politicamente e têm condições de ser aprovadas. Esse conhecimento político do Bolsonaro é extremamente valioso”, acrescentou.
No plano ambiental, importante no setor elétrico devido aos obstáculos para licenciamentos de linhas de transmissão e projetos de geração, a ideia da equipe de Bolsonaro envolve a “convergência” entre o aspecto econômico e a preservação do meio ambiente.
“Temos conversado com outros técnicos ligados ao meio ambiente, existe uma preocupação em preservar e defendê-lo, é extremamente valioso. Mas existe também o aspecto de bem-estar econômico. Vamos trazer equilíbrio para a questão, evitar alguns excessos que ocorreram e tentar trazer possibilidade de gerar bem-estar para a população com energia limpa e barata e hidrelétricas, mantendo a preocupação com o meio ambiente”, afirmou.
Questionado sobre a possível saída do Acordo de Paris, sugerida por Bolsonaro em entrevistas ao longo da campanha, Castro disse não ter participado de conversas por não ser sua área.