Não resta alternativa a não ser privatizar
Entrevista Wilson Ferreira Júnior – Presidente da Eletrobras
Para dirigente, só com a privatização a Eletrobras garantirá sustentabilidade no futuro.
O engenheiro paulistano Wilson Ferreira Júnior assumiu em julho de 2016 uma tarefa inglória: presidir a Eletrobras, a estatal à beira de um colapso econômico, com dívidas de R$ 50 bilhões e quatro anos seguidos de prejuízos no balanço financeiro. Para garantir alguma sobrevida à maior companhia de energia elétrica da América Latina, Ferreira cortou metade dos funcionários e instituiu um controle severo de gastos. O resultado foi um breve alívio nas contas da empresa, mas insuficiente diante da gravidade do problema. Por conhecer como ninguém a realidade da Eletrobras, Ferreira diz que só há uma saída para salvar a companhia: a privatização. Na entrevista a seguir, o executivo explica por que considera esse o único caminho possível.
O senhor defende a privatização da Eletrobras como o único caminho para a empresa. Por quê?
A Eletrobras precisa ampliar sua capacidade de investimento e garantir sua sustentabilidade no futuro. Isso só será possível por meio da desestatização, que permitirá à empresa atrair novos acionistas, com mais recursos. Hoje, a capacidade de investimento da companhia encontra-se bastante limitada.
Quanto a empresa precisa investir nos próximos anos para garantir algum nível de competitividade?
A Eletrobras detém hoje 31% da geração e 47% da transmissão de energia elétrica no país. Apenas para manter essa participação, a empresa precisaria investir R$ 14 bilhões por ano, nos próximos 10 anos, considerando o crescimento da demanda. A Eletrobras, no entanto, não dispõe desses recursos. A média de investimentos prevista para o período até 2022 está em torno de R$ 4 bilhões por ano. A União, que tem 60% do capital da companhia, não tem recursos para fazer esses investimentos. Logo, não resta alternativa a não ser desestatizar, diluindo a participação da União com a emissão de novas ações e atraindo outros investidores.
Se a Eletrobras for privatizada, como ficam as usinas hidrelétricas que funcionam no regime de cotas?
Esse é outro ponto importante. A companhia precisará de recursos para ter de volta 14 de suas usinas hidrelétricas que hoje operam no regime de cotas, desde a MP 579, de 2012. Essas usinas hoje vendem energia a um valor muito abaixo do mercado e o consumidor fica com o ônus do chamado risco hidrológico. Ou seja, se for necessário acionar as usinas térmicas por causa da estiagem prolongada, o consumidor, imediatamente, começa a pagar mais caro por meio das bandeiras tarifárias. O projeto de lei da desestatização devolve esse risco ao gerador, que tem mais condições de gerenciá-lo.
O que vai mudar na Eletrobras depois de uma eventual privatização?
O objetivo é transformar a Eletrobras numa grande corporação do setor elétrico, mantendo a União com menos de 50% do capital. Hoje, no mundo, quase todas as grandes empresas do setor são corporações. Dessa forma, a Eletrobras fica livre das amarras burocráticas de uma estatal, ganha agilidade e competitividade. Com capital privado e já beneficiada pelo processo de reestruturação em curso, a Eletrobras pode investir em novas tecnologias, sobretudo eólica e solar, que são o futuro da matriz energética brasileira. Uma gestão mais eficiente dos ativos da Eletrobras contribuirá para aumentar a segurança energética em todo o sistema elétrico nacional e expandir a oferta de energia a partir de uma empresa com capacidade financeira e boa governança. A Eletrobras será uma empresa mais ágil, eficiente e lucrativa.
Não há o risco de, após a privatização, as tarifas ficarem mais caras?
De modo algum. O projeto de lei estabelece que um terço dos recursos da desestatização será para abater a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo importante que incide na conta de luz. Além disso, o consumidor ficará livre do risco hidrológico.
Os críticos da privatização afirmam que ela traz poucos benefícios para a sociedade.
O projeto de lei que está tramitando na Câmara dos Deputados deixa muito claros os benefícios da desestatização. A nova Eletrobras proporcionará ganhos inequívocos: contribuirá para reduzir encargos sobre a conta de luz, vai tirar do consumidor o risco hidrológico, assumirá a responsabilidade de investir R$ 350 milhões por ano para recuperar o Rio São Francisco, aumentará investimentos, eliminará a necessidade de aportes do Tesouro na companhia e permitirá à União concentrar-se em suas verdadeiras vocações de provedor de saúde, educação e segurança. A União também poderá arrecadar mais dividendos e impostos, sendo que estes também serão partilhados com estados e municípios.
O senhor citou o Rio São Francisco. Poderia detalhar melhor como a privatização ajudaria na sua revitalização?
Um ponto extremamente importante é que o projeto de lei garante ainda recursos para a revitalização do Rio São Francisco, que atravessa sua maior crise hídrica. Pelo projeto, está previsto investimento de R$ 350 milhões por ano no rio, nos primeiros 15 anos, e mais R$ 250 milhões por ano nos 15 anos seguintes. Esses valores são até 17 vezes maiores do que se investe hoje na recuperação do São Francisco.
O senhor considera o modelo de privatização definido para a Eletrobras como o ideal?
A desestatização se dará por meio de um processo de emissão de ações nas bolsas de valores que hoje negociam os papéis da Eletrobras: São Paulo, Nova York e Madri. A União, hoje majoritária, não venderá nem uma ação, mas sua participação será diluída. Por exemplo, se a empresa vale R$ 30 bilhões e a União, BNDES, BNDESPar e fundos setoriais têm juntos 60%, pode-se dizer que eles possuem R$ 18 bilhões. Se a emissão for de R$ 12 bilhões em ações, a Eletrobras vai se transformar numa empresa de R$ 42 bilhões. O governo manterá os mesmos R$ 18 bilhões e R$ 24 bilhões virão de novos investidores. Dessa forma, a empresa passa a ter capital privado. Para isso, além da aprovação do projeto de lei que está tramitando na Câmara, é preciso aprovar novas regras no estatuto da empresa.
Que regras?
O projeto de lei prevê novas bases para a governança da companhia, como a limitação de 10% para o controle de capital (mesmo que o acionista tenha mais do que esse percentual em ações) e regras para indicação de assentos no Conselho de Administração. Determina ainda a criação de uma ação de classe especial, a golden share, para que a União tenha poder de veto em questões preestabelecidas de interesse nacional.
Se a Eletrobras não for privatizada, qual será o futuro da empresa?
Sem a desestatização, ela será incapaz de manter sua participação de mercado, visto que sua capacidade de investimento está comprometida.
O que está sendo feito para aliviar os problemas financeiros da empresa?
Várias ações vêm sendo tomadas nos últimos meses para aprimorar a gestão da companhia, como a redução do peso do seu endividamento, a eliminação de cargos gerenciais, a readaptação do quadro de pessoal, a racionalidade dos processos, o corte de custos. Além disso, estamos também privatizando seis distribuidoras de energia, para concentrar as atividades nos segmentos de geração e transmissão.
O senhor continuará na empresa após a eventual privatização?
Quando o presidente Michel Temer e o ministro Fernando Coelho Filho me convidaram para essa missão, meu mandato foi estabelecido até abril de 2019. Meu foco então é trabalhar até o último dia na recuperação da companhia e no sucesso do plano de desestatização proposto pelo governo.
Muitas razões para uma gestão privada
O Tribunal de Contas da União (TCU) promove hoje em Brasília uma série de debates sobre a privatização da Eletrobras. Além do presidente da empresa, Wilson Ferreira Júnior, e de representantes do governo, Congresso Nacional e Ministério Público, o evento contará com a presença de representantes da sociedade civil e de diversos setores da economia.
A maioria dos participantes concorda num ponto: a única solução para a Eletrobras é a privatização. Um dos palestrantes do encontro será o engenheiro Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, o maior centro de estudos do setor elétrico do país. Sales é incisivo. “A história mostra que a Eletrobras foi usada durante muitos anos para fins políticos, o que acabou destruindo a empresa”, diz ele. “Agora a sociedade precisa decidir se quer uma companhia saudável, com capacidade para fazer investimentos e gerar riqueza, ou se deseja que tudo fique como está, com a Eletrobras cada vez mais frágil e sugando recursos públicos já bastante escassos.”
Por se tratar de um tema árduo, que exige boa dose de conhecimento técnico, a sociedade não tem dado a devida atenção para os efeitos da privatização. Sob qualquer ângulo que se analise o assunto, porém, a conclusão parece óbvia: ela é tão urgente quanto necessária.
Três razões principais mostram isso.
Com a privatização, a Eletrobras será mais lucrativa – e ser mais rentável significa aumentar sua capacidade de fazer investimentos e, assim, gerar riqueza para o país. O segundo motivo diz respeito às contas públicas. A desestatização desobriga o governo a despejar recursos numa empresa à beira da insolvência, recursos esses que poderão ser aplicados em áreas prioritárias como saúde e educação. O terceiro aspecto a favor da transferência do controle para a iniciativa privada afeta o bolso dos brasileiros. Ao contrário do que afirmam os ativistas antiprivatização, a conta de luz tende a ficar mais barata.
O presidente do Instituto Acende Brasil apresenta um estudo que mostra a discrepância de eficiência entre uma empresa pública e privada. Em 1998, a área de geração da Eletrosul foi privatizada e passou a se chamar Gerasul. Na época, o valor de mercado da Gerasul equivalia a 5% da Eletrobras. Vinte anos depois, a Gerasul (hoje conhecida como Engie Energia) tem valor de mercado quase duas vezes maior do que a Eletrobras. “Enquanto uma empresa murchou, a outra floresceu”, diz Sales. “A que apagou ficou nas mãos do Estado e a que cresceu está com a iniciativa privada.”
A privatização da Eletrobras certamente a tornará mais competitiva no mercado – e, portanto, com chances de se tornar lucrativa. “O objetivo de uma empresa privada é criar valor, enquanto as públicas costumam destruir valor”, diz Sales. Na área de energia, nenhuma empresa sobrevive sem forte fluxo de investimentos. Com recursos privados, a Eletrobras poderá fazer os aportes necessários para crescer e atender ao inevitável aumento da demanda.
O segundo ponto a favor da privatização é que ela tira do governo o peso de arcar com prejuízos bilionários. Estima-se que, para voltar a dar lucro, a Eletrobras precise de um aporte imediato de R$ 30 bilhões – dinheiro que o governo não tem agora, nem terá no futuro próximo.
Os que são contrários à privatização alegam que ela tornará a energia elétrica mais cara, mas os especialistas refutam essa afirmação. Para Adriano Pires, sócio e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a Eletrobras privada levará à queda dos custos de transmissão e tornará a empresa mais competitiva nos leilões de expansão de geração. O resultado desse processo, diz ele, será a redução de tarifas. Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil, concorda. “Com a privatização, haverá ganhos de eficiência e, portanto, custos tarifários menores para os consumidores”, diz.
O último argumento dos críticos afirma que o Brasil perderá uma empresa estratégica. “Isso é uma grande bobagem”, diz Sales. “Não se trata de venda de ativos.” Pelo modelo de privatização proposto, o governo não venderá suas ações, mas terá sua participação na empresa diluída. Além disso, o projeto de lei garante a indicação de um membro da União no Conselho de Administração e a limitação de 10% do poder de voto. Na prática, o modelo evita que um único acionista tenha o controle da empresa.