ACL: cenário indica mudança de patamar

ACL: cenário indica mudança de patamar

Governo vê o mercado livre como o instrumento para o setor elétrico avançar em eficiência e atração de investimentos nos próximos anos.

O mercado livre de energia elétrica teve em 2016 um ano de intensa migração de consumidores.

Esse movimento reflete a entrada de Manaus e, principalmente, o tarifaço de 2015, que acelerou planos de diversas empresas em planejar melhor os custos e, obviamente, obter ganhos em competitividade por uma economia que chegou em alguns casos a até 50%.

Pelo porte desses consumidores especiais a participação do ACL na demanda total ainda não mudou significativamente.

Mas, o cenário não deverá permanecer dessa forma, pois o mercado livre é considerado um instrumento para que o setor avance em eficiência e atração de investimentos nos próximos anos.

Quem afirmou isso foi o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa, durante o 8º Encontro Anual do Mercado Livre, evento realizado entre os dias 24 e 26 de novembro, período em que ele acumulava o cargo de ministro interino devido a viagem do titular da pasta, Fernando Coelho Filho, à Espanha como parte de uma missão do governo federal em atrair investidores ao país.

“Alavancar o mercado livre não é o objetivo do governo. Queremos melhorar a eficiência do setor, atrair investimento e promover segurança. O mercado livre é o instrumento para fazer o que o governo quer”, destacou Pedrosa.

“Se esse mercado é pequeno, ele pode viver das sobras do regulado e do subsídio. Mas, se quer crescer não pode viver assim das sobras e dos subsídios. O desafio agora, com um governo que tem uma compreensão do mercado livre e simpatia pela liberdade do consumidor e liberdade econômica é construir a solução e resposta a longo prazo”, indicou.

E iniciativas para a inserção mais ativa do ambiente livre de contratação estão espalhadas por diversos âmbitos.

Há a consulta pública nº 21 do Ministério de Minas e Energia que trata sobre o mercado livre de energia elétrica e encerrará o período de envio de contribuições justamente no próximo domingo, 4 de dezembro.

De outro lado está o P&D da Aneel para o aprimoramento do setor elétrico.

E ainda, há os projetos nº 232 no Senado Federal e o de nº 1.917 em tramitação na Câmara dos Deputados sobre a portabilidade da conta.

Com isso, a perspectiva é de um cenário favorável à expansão do segmento que há anos estacionou na casa de 25% da demanda nacional, já contando com autoprodução.

“Quando tivermos a convicção de que essa modelagem dará resposta de longo prazo e levará à promoção de investimentos e eficiência e que o benefício localizado de um não vai consistir no mal distribuído para os outros, aí a gente avançará no mercado livre”, acrescentou Pedrosa.

Com essa visão, a tendência apresentada pelo número 2 do MME é de que o mercado livre deixará de ser um ambiente de negociação de energia elétrica complementar e passará a protagonista no Brasil.

Mas, sem essas respostas citadas por ele não há perspectivas de abertura desse mercado.

A migração para um mercado aberto não acontece sem regras de transição.

Na avaliação de Pedrosa, o mercado livre precisa avançar para além dos históricos 20%.

Esse crescimento é um desafio para todos, principalmente quando se fala em enfrentar a questão dos subsídios do fio.

Pedrosa citou que ABEEólica, Absolar e Única, parecem estar dispostos a discutir esse tema. Tanto que MME e as entidades já iniciaram conversas sobre o tema.

A conta desses subsídios concedidos é calculada pelo MME em R$ 11 bilhões, valor este que iriam parar na CDE, para todos pagarem.

Esse montante é obtido ao se projetar o tamanho potencial do mercado livre e a migração de novos consumidores.

Com essa tendência de expansão do ACL, a expectativa é de que se as coisas não mudarem, esses recursos sejam cada vez mais elevados, porque segundo as regras atuais e a característica dos consumidores elegíveis ao ambiente livre, a demanda só poderia ser atendida por meio de fontes que recebem esse incentivo.

“O mercado tem que aprender que não somos mais intervencionistas. As empresas buscam por salvação… mesmo sendo antipático, não vamos agir dessa forma. Buscar subsídio e proteção faz do ambiente do Congresso um lugar de negociar a exceção. Precisamos mudar a cultura do governo, da sociedade e assim chegamos a todo o país”, discursou.

Um dos caminhos para iniciar a mudança é por meio do P&D Estratégico da Aneel para o aprimoramento do modelo setorial.

Essa iniciativa é classificada como a janela de oportunidade de redesenho do setor elétrico e de forma definitiva para o longo prazo.

Dentre as recomendações para o seguimento do trabalho está o de buscar o equilíbrio entre as políticas e a regulação com a atuação sinérgica dos agentes.

E ainda tendo como um ponto importante a análise de impacto regulatório das medidas que serão apresentadas nesse projeto que terá 18 meses de duração.

Segundo Julião Coelho, advogado cujo escritório faz parte do consórcio escolhido para o desenvolvimento do P&D, dentre as premissas que nortearão o trabalho está a de melhoria do ambiente regulatório já que esse aspecto é importante no cenário global diante da concorrência entre diversos países por atração de investimentos, ainda mais no atual momento econômico.

Na avaliação do presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel, o P&D trará excelentes resultados para o setor elétrico.

E essa iniciativa chegou em um momento mais crítico do que nas mudanças anteriores.

“Vejo o P&D com esperança, tanto que, quando o Nelson [Fonseca Leite, presidente da Abradee] trouxe a ideia durante uma edição do Enase, imediatamente aderi e defendi no FASE a sua realização. Entendemos que é uma oportunidade única para termos a prática do dialogo com o governo”, destacou ele.

“Agora temos as cabeças e condições favoráveis”, enfatizou o executivo.

Para ele, as medidas que forem propostas no trabalho devem conter uma metodologia de análise de impacto regulatório para evitar casos como a recente MP 735, que originalmente continha quatro páginas e depois de passar pelas duas casas do Congresso Nacional saiu com 22 páginas e um grande volume de novos temas abordados que, seguramente, não tiveram uma análise criteriosa como o texto original.

Segurança, crescimento e competitividade Mariana Amim, da Anace.

Mariana Amin, Assessora Jurídica da Anace, também vê nesse projeto a oportunidade de retomarmos a competitividade.

A conta, disse ela, assusta, é alta e para todos, desde o grande consumidor ao pequeno que ‘invadiu’ a CCEE com a migração em massa para o mercado livre.

“Segurança, crescimento e competitividade, é isso que o grupo tem que ter em mente”, apontou. E para alcançar esses pontos, a questão jurídica deve ser forte e trazer confiança no longo prazo.

Outro ponto de atenção deve ser como viabilizar a expansão da oferta.

Esse tema foi apontado pelo presidente do Conselho de Administração da Apine, Guilherme Velho, que lembrou das dificuldades em atrair investidores no modelo atual e contratos de longuíssimo prazo que temos no ACR.

“Nosso desafio é contratar a expansão nesse novo ambiente de ACL crescente. E dentro desse objetivo uma das propostas mais comentadas para a questão da separação de lastro e da energia que busca garantir a segurança de atendimento da demanda de todos”, afirmou Velho durante sua participação no evento.

Por sua vez, Reginaldo Medeiros, presidente executivo da Abraceel, destacou que nessa expansão da geração não se pode esquecer de que o mercado tem menos BNDES participando dos financiamentos.

Esse, comentou ele, é um ponto central estratégico e que não pode ser esquecido.

De uma forma mais moderada no otimismo está a Abrace.

A gerente de Energia da entidade, Camila Schoti, destacou que apesar dos discursos e avanços aparentes, o cenário ainda é de imprevisibilidade, de soluções baseadas no modelo mental do passado onde no final há transferência de custos para consumidores.

Um custo que, segundo ela, não pode ser gerenciado pela classe que representa. Mas, ponderou que o momento representa sim uma oportunidade. “Já observamos mudanças significativas com mais transparência e debates no setor”, afirmou.

Ao passo que as discussões avançam, o crescimento do volume de agentes no mercado livre tem causado um impacto na CCEE.

O presidente do Conselho de Administração da câmara, Rui Altieri comentou que esses novos consumidores apresentam tamanho reduzido e que poderiam naturalmente estar associados a um comercializador varejista.

Contudo, como agentes da câmara, e diante das diversas obrigações existentes há processos de desligamento iniciados por valores em aberto que podem variar de R$ 400 a até R$ 30.

Por isso, ele defendeu que a regra para agentes de diferentes portes deve ser diferente na CCEE.

“Hoje a mesma regra de Itaipu se aplica para o consumidor de 0,3 MW médios mensais. Isso não faz sentido, somos obrigados a dar o mesmo tratamento para Tucuruí e a um mercadinho”, destacou.

Nas discussões acerca do comercializador varejista, Altieri afirmou que esse avanço poderá chegar a um momento que será insustentável dentro da estrutura da CCEE.

Segundo seu relato, há supermercados com 300 kW médios de demanda que poderiam estar no ACL, mas sob um comercializador varejista.

O presidente da Comerc, empresa que já atua nesse segmento, Christopher Vlavianos, destacou que um ponto que preocupa as empresas é quando há a inadimplência do consumidor e a impossibilidade do corte.

Até porque a energia é um insumo considerado fundamental e normalmente as decisões judiciais são favoráveis àqueles que afirmam que fecharão as portas caso sejam desligados.

Um dos pontos apresentados que poderiam ser levados em conta é a diferenciação de tratamento pelo tamanho da dívida. Essa poderia ser uma forma de mitigar o problema.

Já na ponta da oferta um dos assuntos centrais para que o mercado livre seja um dos vetores do crescimento da capacidade de geração no país é a questão do financiamento de projetos.

A participação de geradores para o ambiente livre de contratação em leilões de energia não é um problema, o ponto que ainda inviabiliza essa presença são as garantias, pois os contratos dos consumidores livres são de menor duração.

As alternativas existem, mas passa pela negociação de contratos em uma plataforma de balcão em bolsas de energia onde a clearing house seria – assim como no mercado financeiro – a garantidora da liquidação dos contratos.

Segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Luiz Augusto Barroso, essa figura centralizada de uma câmara de compensação para gerenciar as garantias podem aumentar a liquidez do setor.

Além disso, o mercado apresentaria uma redução na percepção de risco de default.

Até porque lembrou ele, não ter o contrato no longo prazo não significa que o gerador ficará parado.

O investidor vai buscar a melhor estratégia para a comercialização da energia que possui ao longo do tempo.

De acordo com Barroso, fora do leilão, o desafio para os geradores no ACL é a previsibilidade de receitas.

Nesse sentido, a criação de plataformas seria fundamental, pois traria informações básicas de preços para referência, onde financiadores poderiam aceitar esses projetos com menos dificuldades em seus modelos de financiamento.

E lembrou ainda de uma proposta que a Abraceel apresentou em 2014 ao BNDES de garantias volantes.

Nessa metodologia o gerador precisaria estar sempre contratado por um determinado período de tempo para não ter que aportar garantias.

“Os contratos de venda de energia seriam essas garantias. Ou seja, ao final de um período determinado o gerador precisaria apresentar novos contratos a partir do vencimento de um outro volume de acordos”, especificou.

Em termos de futuro, disse o presidente da EPE, há o tema da separação de lastro da energia, citado há pouco pelo representante da Apine.

Essa ideia, disse Barroso, deveria ser considerada ‘com carinho’.

A separação seria útil para organizar os produtos, o que reforçaria os contratos como instrumento de proteção aos preços da energia.

Contudo, essa separação não resolve toda a questão da financiabilidade do setor elétrico. É apenas resposta a parte de custos de capex de um projeto e a diferença o gerador tem que correr atrás.

André Flores, vice presidente da Brookfield Energias Renováveis, é mais uma voz que se mostrou no caminho do setor privado.

Ele avaliou o momento do setor como de transição, e considera ser impossível o crescimento da infraestrutura no Brasil apenas por meio de recursos públicos.

Os investimentos estão migrando para o setor privado, que possui mais players e é adequado a esse momento que vive o setor.

“Com o P&D do modelo setorial podemos discutir medidas que viabilizem caminhos alternativos e que já existem em diversos mercados aqui mesmo em nossa região geográfica, vários países dependem desse mercado privado e internacional, e pensar em separação de lastro e energia é fundamental nesse sentido”, comentou o executivo.

Ele lembrou que de 25% a 30% das receitas vêm de potência e daí essa possibilidade com a redução do risco do investidor em relação à volatilidade das receitas.

O restante ficaria como a busca por contratos bilaterais e não apenas deixar a energia no mercado de curto prazo.

Obviamente, comentou Flores, a combinação possa não permitir níveis de alavancagem semelhantes ao que se viu no passado com o BNDES e um nível de 80%, mas como o banco de fomento federal já está reduzindo sua participação em UHEs e térmicas isso já abriria um caminho para analisar novos mecanismos, além de observar mercados internacionais que possam viabilizar o investimento privado.

Contudo, o próprio BNDES não descartou a sua participação no bolo do mercado livre.

O gerente da área de Energia da instituição, Alexandre Siciliano, disse que apesar de a maior parte dos recursos destinados a projetos de energia tenham como alvo o ACR, o banco pode apoiar o mercado livre.

Destacou que para isso é importante a previsibilidade de caixa, não que o BNDES imponha receitas fixas, mas que é necessário que se avalie as receitas futuras para que o investidor possa pagar o serviço da dívida.

O mercado livre de energia ainda vê se avizinhar a perspectiva de acessar um novo combustível que poderá auxiliar em sua expansão, o gás natural.

Por meio da consulta pública Gás Para Crescer, cujas contribuições foram recebidas até 7 de novembro, a meta do governo é a de delinear as novas diretrizes do setor no país ante a redução de participação da Petrobras nesse setor.

O programa busca estimular os investimentos para a criação da nova indústria do gás que, entre outros aspectos deverá procurar uma maior integração do gás no segmento de energia elétrica, e ainda, promover a atração e incentivos para a o segmento de exploração e produção.

Segundo o secretário de Petróleo e Gás Natural, Márcio Felix, quando a proposta do Gás Para Crescer pronta, a ideia do MME é levar a proposta à próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética que ocorrerá em 14 de dezembro para que o programa tenha uma base de sustentação mais ampla.

Entre os temas em avaliação está o de garantir o acesso de terceiros a infraestruturas essenciais.

Além disso, citou um desafio que é o ICMS que deve ser trabalhado no âmbito do Confaz.

Isso se faz necessário em decorrência da regulação que envolve os governos federal quando o tema é o setor elétrico e o estadual que fica com a distribuição de gás natural.

Ao se equalizar esses temas, destacou ele, o gás terá um papel de transição no sentido de buscar uma economia de baixo carbono.

“As térmicas as gás ainda deverão ficar por uma boa temporada e entrar na base para alcançar um modelo equilibrado já que temos as fontes intermitentes, principalmente a eólica com muito crescimento e a solar chegando agora e que tem sua variação natural”, afirmou Félix.

Fonte: Canal Energia