Nova energia na praça
Terceira maior usina hidrelétrica do mundo, Belo Monte prepara-se para entrar em operação no próximo mês. Carga máxima virá somente em 2019.
Quando a usina de Belo Monte começar a gerar o primeiro lote comercial de energia, em março, marcará, ao mesmo tempo, o fim de um longo ciclo e o início de um outro bem mais curto.
Foram necessários mais de 40 anos para tirar o projeto do papel.
E serão precisos ainda mais três para que a geração atinja o seu pico. Idealizada pelos militares, em 1975, a obra foi ressuscitada pelo governo Lula, em 2010, e deveria estar pronta no ano passado.
Mas uma série de contratempos marcou o período da construção e atrasou a estreia da gigante energética.
Na quarta-feira 17, o consórcio Norte Energia realizou o primeiro teste com uma das 18 turbinas que compõem a barragem e entrou no ciclo final para oferecer a energia ao mercado.
A operação comercial começará apenas com uma turbina, com capacidade de 611MW, 5% do total esperado para o pico, quando a usina poderá alcançar 11 mil MW, cerca de 7% do potencial brasileiro de geração atualmente.
Pelo novo cronograma da usina, esse nível deve ser alcançado em 2019, com o funcionamento de todos os equipamentos disponíveis na barragem de Altamira, no Rio Xingu, no Pará.
Em carga máxima, a oferta de Belo Monte poderá abastecer 60 milhões de pessoas, em 17 Estados.
Os números só ficam atrás de Itaipu e de Três Gargantas, na China.
“E uma obra muito importante ao País, vai contribuir para a redução da tarifa e a segurança energética“, afirma Alexei Vivan, diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia (ABCE). “Por todas as dificuldades que teve para iniciar a geração, sem dúvida, é uma vitória para a sociedade”.
O imbróglio remonta à fase do leilão. Havia dúvidas sobre o interesse de investidores em ingressar num negócio com investimentos estimados em R$ 30 bilhões.
O processo quase chegou a ser anulado por manifestações de ambientalistas.
Ao longo da construção, atrasos no processo de licenciamento e protestos de índios esticaram ainda mais os prazos.
O canteiro de obras, uma verdadeira cidade, chegou a ser tomado pelo caos em greves que mobilizaram até 80% dos cerca de 25 mil operários que trabalharam no pico.
Até hoje, a usina é alvo de manifestantes que questionam os impactos ambientais e sociais.
A entrada em operação de Belo Monte se dará num momento de menor pressão do setor elétrico.
Um período mais intenso de chuvas e uma queda no consumo, devido à recessão, afastaram o risco de racionamento que rondava o País.
Os reservatórios do Sudeste, considerados a maior caixa d’água nacional, estão hoje com mais de 40% da capacidade.
Trata-se de cenário bem distinto do observado no início do ano passado, quando estavam próximos de 20% e exigiam o acionamento de quase todo o parque de termelétricas, mais caro.
Como exemplo da inversão de tendência, a usina de Itaipu alcançou, neste mês, três recordes históricos seguidos de geração.
A recuperação, contudo, ainda não se deu por completo e o governo decidiu manter acionadas as térmicas.
Esse custo mais elevado de geração é cobrado do consumidor, que precisa arcar com o ônus da bandeira vermelha nas contas de luz, o mais caro na graduação criada pelo governo para explicitar o peso das térmicas nas tarifas.
Walfrido Avila, presidente da Trade Energy, questiona a decisão do governo de manter as térmicas ligadas ao mesmo tempo em que o preço da energia está baixo no mercado livre.
Segundo ele, essa política onera principalmente os consumidores de renda mais baixa, as pequenas indústrias e o comércio.
“Estão pagando para encher os reservatórios e falseando o PLD (preço no mercado a vista no mercado livre)”.
Se o ritmo de chuvas continuar favorável, a expectativa é que até o meio do ano, a bandeira tarifária possa sair do vermelho para o amarelo e diminua os custos para os consumidores (veja quadro).
Com uma previsão de queda na demanda neste ano, em linha com a expectativa de novo recuo no PIB, o risco de apagão, ao menos neste ano, está afastado.
A preocupação dos especialistas agora é para que o governo aproveite essa janela para rever os gargalos na transmissão, uma das maiores preocupações do setor atualmente.
“E preciso que o planejamento das transmissoras seja mais integrado aos projetos de geração”, afirma Marcelo Aude, da consultoria Roland Berger.
Parques eólicos prontos ficaram períodos parados sem ter como transmitir a energia até as distribuidoras.
Houve problemas também no planejamento do linhão de Belo Monte.
Como se pode ver, não basta colocar nova energia na praça. E preciso um planejamento para poder aproveitá-la.