O Cepel e a Modernização do Setor Elétrico
Definitivamente, o consumidor do futuro terá um papel inequivocamente diferente do que desde sempre desempenhou no setor de energia
No final do mês de abril, o Ministério de Minas e Energia (MME) promoveu workshop em que apresentou em grandes linhas os temas que deverão ser visitados para que seja adequadamente endereçada a modernização do setor elétrico brasileiro.
De fato, o tema modernização se impõe em decorrência do processo de transformação pelo qual passa, em nível mundial, o setor elétrico. A percepção do MME está absolutamente correta quanto à necessidade, conveniência e oportunidade de enfrentá-lo.
Alguns gostam de nominar esse processo transformador de transição energética e costumam explicá-lo segundo três conceitos ou tendências fundamentais: descentralização, digitalização e descarbonização. Os três são tópicos necessários da agenda mundial de energia.
Todo esse processo gira em torno de um elemento primordial – o consumidor. Definitivamente, o consumidor do futuro terá um papel inequivocamente diferente do que desde sempre desempenhou no setor de energia. Tão transformador e revolucionário será este processo que, em alguns poucos anos, parecerá coisa incompreensível, e de um passado remoto, limitar o comportamento do consumidor de energia a pressionar o interruptor e pagar sua conta mensal. O consumidor do futuro poderá produzir sua própria energia, gerenciar quando e como consumi-la, inclusive escolhendo a origem da energia que, eventualmente, consumir da rede, preferencialmente a de menor impacto ambiental, e, claro, privilegiando o fornecimento mais seguro e com preços mais acessíveis.
O setor elétrico precisa se preparar para tal cenário. Como já corretamente destacou a Secretária-Executiva do MME, Marisete Dadald Pereira, “o setor se depara com uma tarefa nada trivial, pelo contrário, bastante ambiciosa que, por sua vez, se reveste de grande oportunidade”. Há, claramente, um enorme desafio regulatório e de modelamento de negócio.
Contudo, de uma outra perspectiva, o progresso desse movimento de modernização estará intimamente ligado à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D+I). Com efeito, toda essa verdadeira revolução, que está ocorrendo, se faz em razão de avanços e investimentos em P&D+I. É o que explica a queda vertiginosa nos preços de facilidades que permitirão a disseminação da geração distribuída, o aumento continuado da eficiência no uso da energia, a evolução da capacidade de armazenamento de energia e do gerenciamento de seu consumo, o advento definitivo da mobilidade elétrica. Enfim, a efetiva implantação de redes inteligentes, compreendendo intercâmbio praticamente infinito e confiável de informações e o transacionar seguro de energia e de outros bens ou serviços, como por exemplo as emissões evitadas de carbono. Definitivamente, não há modernização possível se negligenciada P&D+I.
É nesse contexto virtuoso que se insere o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, o Cepel. Ainda que hoje sua sustentabilidade financeira dependa largamente do aporte de recursos de seus associados fundadores, a Eletrobras e suas quatro principais subsidiárias, as funções e o papel do Centro transcendem em muito o interesse dessas empresas, consultando, sem dúvida, o interesse de todos os agentes do setor, sejam geradores, transmissores, distribuidores, comercializadores e, claro, consumidores. Esse entendimento, inclusive, vem se evidenciando com o crescimento do número de agentes setoriais que se associam ao Centro.
Talvez você esteja lendo este artigo em um computador ou em um tablet ou até em um aparelho celular. Ou, talvez, esteja lendo uma versão impressa. Ou, ainda, o tenha remetido para um amigo ou o tenha salvado em um dispositivo qualquer para lê-lo mais tarde. Em qualquer caso, você terá usado uma facilidade, cujo bom funcionamento dependeu, em algum momento, da alimentação segura e confiável de energia. Também eu, quando o escrevi, e ainda quando o encaminhei para revisão e publicação, usei de alguma facilidade, cujo funcionamento dependeu do fornecimento de energia.
Provavelmente, esse fornecimento foi provido através da rede da concessionária de distribuição de forma estável e regular. É uma afirmação que parece óbvia de tão incorporado em nossas vidas este hábito está.
O que talvez possa ter passado despercebido, por não ser tão evidente, é que essa rede está conectada a um sistema de grande porte (no caso brasileiro, realmente grande – de dimensões continentais), sistema este, cuja supervisão, controle e gerenciamento, em tempo real, da energia que por ele flui é feito por meio de uma funcionalidade que é tipicamente um produto de P&D+I. Esse recurso, de uso disseminado em todo o Sistema Interligado Nacional, foi desenvolvido pelo Cepel e por ele tem sido mantido atualizado e em operação ininterrupta por 20 anos.
Haverá outros exemplos de aplicações de P&D+I, como os modelos de programação da operação do sistema elétrico em base semi-horária (por exemplo, o modelo DESSEM), os softwares que gerenciarão o uso da energia numa instalação, seja ela industrial, comercial ou residencial, os mecanismos que certificarão a qualidade dos dispositivos e instrumentos que serão utilizados pelos consumidores, os sistemas que farão a supervisão e o controle da rede de fornecimento de energia a veículos elétricos, inclusive identificando quem faz a carga ou a recarga do veículo, onde e como paga o serviço – hoje já se vê algo nessa linha em São Paulo e no Rio de Janeiro com os sistemas de bike sharing e similares.
Podem ser acrescentados, ainda, outros elementos relevantes que conferem, em muitos aspectos, singularidade à contribuição que o Cepel pode oferecer à modernização do setor. Trata-se da infraestrutura laboratorial multidisciplinar de que o Centro dispõe, em termos não só dos especialistas, mas, também, das instalações e equipamentos, que podem igualmente ter suas atualizações orientadas pelos requisitos exigidos pelo setor elétrico transformado.
O Cepel conhece bem a necessidade e o valor de se promover o avanço do conhecimento e da tecnologia por meio da colaboração entre as diferentes instituições que compõem o nosso Setor Elétrico. Em tempos disruptivos, em que a tecnologia permite que pessoas se reúnam para propor soluções inovadoras para problemas difíceis, encontrando inclusive um modelo de negócio escalável e reprodutível, a experiência acumulada e sua capacitação credenciam o Centro a assumir um histórico e relevante papel na inovação que será demandada pela modernização do setor elétrico nacional brasileiro.