O destino do setor nas mãos do Congresso

O destino do setor nas mãos do Congresso

Com Projetos de Lei tramitando no Congresso, setor volta olhares para movimentação do parlamento brasileiro.

Nova Lei do Gás, Privatização da Eletrobras, Medida Provisória 814, além do Novo Marco Regulatório do Setor Elétrico. Todos esses temas têm algo em comum: deverão passar pelo Congresso Nacional. O ano de 2018 reserva uma intensa agenda legislativa para o setor, em que votações definirão rumos e diretrizes do próximo governo. Em 2017, foi aprovada nova política para os biocombustíveis, o RenovaBio. O número de projetos revela o bom desempenho da equipe técnica do Ministério de Minas e Energia. Embora o número elevado de projetos não signifique sucesso automático em todos eles, o setor estará na pauta dos parlamentares.

Ainda no ano passado, a lei do gás quase foi votada, mas insatisfações de alguns segmentos levaram a um recuo. O projeto veio do “Gás para Crescer”, iniciativa do governo que visa modernizar a legislação do setor. Os debates voltam após a definição da nova composição da comissão de Minas e Energia da Câmara. Esse ano a expectativa do governo é que até a segunda quinzena de abril o projeto seja votado e aprovado. De acordo com Márcio Félix, secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, arestas que impossibilitaram a votação no ano passado estão sendo aparadas.

Em evento de petróleo e gás realizado na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro (RJ), na última quinta-feira, 1º de março, Félix disse que esta semana foi realizada uma reunião em Brasília entre vários stakeholders, que eliminaram dúvidas. Segundo o secretário, 80% do projeto tem alta convergência e no restante a divergência era menor do que se avaliava. “A foto de ontem é bem melhor que a de anteontem, vamos construir uma convergência”, avisa. O relator deste projeto é o deputado Marcus Vicente (PP-ES).

O mecanismo do projeto de lei, em lugar de medidas provisórias, foi um desejo do congresso, que não queria que o governo legislasse em seu lugar. Na MP 814, que tratava da privatização das distribuidoras da Eletrobras, a inserção do artigo que incluía a estatal no Programa Nacional de Desestatização sofreu fortes críticas e a ameaça do presidente da Câmara que ela não seria votada. Mais tarde, o ministro Fernando Coelho Filho desmentiria o que o artigo dava a entender, ressaltando que a inclusão era para que pudessem ser contratados os estudos de viabilidade econômica da empresa. Outros mecanismos poderiam ser adotados para efetuar a mudança no modelo do setor, mas não teriam a segurança jurídica que o PL agrega. “O marco legal do setor elétrico é uma reforma robusta, é melhor que seja feita por lei”, observa Marcelo Moraes, da consultoria política Dominium.

A privatização da Eletrobras, anunciada com alarde em agosto do ano passado, teve o seu PL apresentado no dia 19 de janeiro pelo governo. Esse é o projeto que mais possui caráter mais político e é observado com bastante expectativa, uma vez que significa a venda de uma das maiores estatais do país. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), designou o colega de partido José Carlos Aleluia como relator do processo. Maia vem declarando que acredita que o PL seja votado até o meio do ano.

Aleluia, que já foi presidente da Chesf, logo de saída criticou o projeto, acusando-o de ter um caráter meramente financeiro e que não contemplava particularidades da subsidiária do Nordeste. “Não vou aceitar pacote fechado”, disse na ocasião. O parlamentar prometeu durante o processo ouvir sugestões de todos os deputados e promover o debate sobre o tema, com foco na revitalização do rio São Francisco, no caso da Chesf. Desde então, o deputado já anunciou que uma das alterações deverá ser a de criar um órgão que vai ser responsável pela gestão dos recursos da revitalização do rio. O órgão não será de natureza estatal e deverá ter estrutura similar à do Operador Nacional do Sistema Elétrico.

Outro ponto que Aleluia já admitiu que vai sofrer alterações é o que fala do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica. Considerada insatisfatória por Aleluia, a proposta do governo é manter o centro durante quatro anos. Após esse período, ele próprio buscaria recursos no mercado. O relator quer assegurar a continuidade do centro e convidou o próprio diretor-geral do Cepel para apresentar uma contribuição a essa parte do PL. Possíveis alterações ao projeto inicial podem descaracterizar o projeto, o que leva a perda de valor do leilão. “Um projeto de lei é passível que o congresso proponha alterações, é o processo natural. Espero que saia uma coisa que atenda bem ao país, tenho esperança”, afirma Claudio Sales, do Acende Brasil.

As maiores resistências na privatização da Eletrobras estão nas bancadas do Nordeste, Norte e Minas Gerais. No Nordeste, a principal razão é a Chesf e a preocupação com o destino do rio São Francisco. No Norte, a perda da influência política na Eletronorte é o que motiva a contrariedade. Já em Minas Gerais, a relação dos mineiros com Furnas, considerada uma empresa mineira, traz a oposição. A criação de uma agência de desenvolvimento para o São Francisco e o uso de recursos da privatização no desenvolvimento do entorno do rio podem diminuir a oposição ao projeto.

A comissão do PL ainda não começou os seus trabalhos. Alguns partidos já indicaram os seus participantes, mas a maioria ainda não o fez, o que pode impactar no seu funcionamento. Ela será composta por 35 deputados e 35 suplentes, em que PT e MDB serão os partidos com maior número de integrantes, com quatro cada um. Até essa sexta-feira, 2 de março, somente 21 deputados haviam sido indicados para formar a comissão.  Darcísio Perondi (MDB-RS), Nelson Marquezelli (PTB-SP), André Moura (PSC-PE), Raquel Muniz (PSD-MG), Antonio Carlos Mendes Thame (PV-SP) e Fabio Garcia (DEM-MT) são alguns dos nomes que farão parte da comissão.

Partidos como PT, PSDB, PDT e PSOL ainda não definiram os deputados que vão fazer parte da comissão. O presidente dessa comissão especial será o emedebista Hugo Mota (MDB-PB). A primeira reunião será realizada no próximo dia 6 de março, ás 16 horas, no plenário I do anexo II. Nessa primeira reunião, haverá a eleição do presidente e dos vice-presidentes.

O ano de 2018 aparece com uma espécie de obstáculo para o êxito do governo nas votações e aprovações de toda as matérias referentes ao setor. Além de ser um ano em que os próprios deputados buscam renovar a sua permanência no congresso, também haverá Copa do Mundo, Festas Juninas e será escolhido o próximo presidente do Brasil, numa das eleições que promete ser das mais disputadas. Tudo isso somado a recomposição partidária que virá a partir de abril, quando o jogo eleitoral fará com que partidos base poderão não mais estar nela. Para Marcelo Moraes, da Dominium, o calendário não ajuda e o tempo para aprovação até as eleições é escasso. “Tudo vai depender de aprovação do legislativo e são praticamente todas as matérias. Vamos ter dificuldades. Teremos março, abril e maio, meses talvez bastante ativos e depois só em novembro”, alerta.

Para Claudio Sales, do Acende Brasil, o calendário de eleições não pode paralisar o setor elétrico. Ele lembra que o ambiente político conturbado que o país veio atravessando nos últimos anos não impediu que temas importantes fossem votados. Segundo ele, a sociedade já está com a percepção do que precisa ser feito para o país sair da crise que enfrenta. “Espero que esses projetos avancem”, afirma.

A MP 814, publicada no apagar das luzes de 2017 e que trata da privatização das distribuidoras da Eletrobras, deve ter a sua comissão mista instalada na próxima quarta-feira, 8 de março. O artigo da MP que tratava da venda da Eletrobras chegou a ser suspenso pela justiça. Com prazo de validade até 1º de junho, há a garantia da discussão da matéria no parlamento. Por conta disso, muitos deputados e senadores estão inserindo emendas relativas a privatização da Eletrobras e do novo marco do setor. A MP recebeu 158 emendas, que vão desde a divulgação para a sociedade dos estudos para a privatização da estatal, proposta pelo deputado Danilo Cabral (PSB-PE) até a exigência de um levantamento dos bens imóveis construídos para fins residenciais em núcleos urbanos anexos a usinas da Eletrobras, apresentada pelo deputado Silas Câmara (PRB-AM).

Cabral foi o deputado que mais apresentou emendas à MP 814, com 16. Segundo ele, esse é um movimento que está sendo feito pelos deputados. “Pegamos o conteúdo do PL da reforma do setor e antecipamos na MP”, revelou o deputado. Entre as emendas de Danilo Cabral, que lidera uma das frentes contra a privatização da Chesf, está a que transfere a estatal para o Ministério da Integração Regional e outra que preserva o Cepel. Moraes concorda com a tática, já que ainda não há a garantia de votação do PL do novo marco do setor, uma vez que ele não foi apresentado. “É bem provável que algumas dessas medidas não aconteçam até as eleições de 2018”, avisa Moraes.

Cogita-se que o PL do novo marco do setor elétrico deva ser relatado por Fabio Garcia. O deputado, que migrou do PSB para o DEM de Maia, seria uma escolha de um técnico do setor para a relatoria. Antes de ser deputado, Garcia foi analista de investimentos da Enron, gerente de desenvolvimento de novos negócios na Abengoa, ocupou a presidência da Pantanal Energia e do Sindicato de Energia do Estado de Mato Grosso. O PL terá o acompanhamento de dezenas de associações do setor, de empresas e dos próprios parlamentares, o que para Marcelo Moraes justificaria a indicação de um parlamentar como o deputado do Mato Grosso. “É importante que o relator tenha conhecimento para fazer o que ele acha que é certo”, avisa Moraes.

Se a incerteza sobre o destino das votações permeia o parlamento brasileiro, o governo tem crença que vai conseguir privatizar a Eletrobras e arrecadar os R$ 12 bilhões almejados. Ela foi incluída em uma agenda de 15 projetos de lei prioritários para reduzir os gastos federais, modernizar a tributação e fortalecer a economia. No anúncio, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), planejou que as votações sejam feitas a partir de março. Essa iniciativa do governo foi criticada por Rodrigo Maia, que lembrou que os projetos já estão na Câmara e que eles têm o seu devido tempo de apreciação. Considerando a apresentação da agenda prioritária um ‘equívoco’, ele sequer analisou a importância dos projetos. “Não conheço as 15 propostas. Não li e nem vou ler”, rebateu.

Outro fator que deverá ser avaliado é que o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, sairá do cargo no começo de abril para concorrer à reeleição. Ainda não está definido quem irá ficar no seu lugar. As apostas são que o secretário executivo Paulo Pedrosa, assuma o seu lugar. Pedrosa é respeitado pelas associações do setor e vem liderando o movimento de reformas na pasta. Correm por fora o secretário de energia Fábio Alves e o secretário de Petróleo e Gás Natural, Márcio Félix. O Planalto ainda não sinalizou quem será o substituto ou se a pasta será envolvida em algum acordo político.

Na Câmara, Coelho Filho vai ter a chance de trabalhar com unhas e dentes junto aos deputados para a aprovação de todos esses projetos. Mas já sem a influência, o poder e a caneta do MME. “O mercado o reconhece, mas ele volta a ser um parlamentar. Ele vai para a eleição, vai se preocupar com a candidatura. Perde um pouco o foco”, avalia Moraes, da Dominium. Já para Claudio Sales, o ministro teve bons resultados à frente da pasta, principalmente com Petrobras e Eletrobras e que a incerteza perante a continuidade dos projetos é mínima. “O fato dele se afastar pode trazer incerteza, mas é pequena em relação a convicção que essas políticas devem continuar”, observa.

Para Márcio Félix, secretário de petróleo e gás, o prestígio adquirido pelo ministro comandando o MME o capacita a atuar em prol dos projetos quando ele voltar a exercer o mandato de deputado. “Ele mesmo vai cobrar o escanteio e cabecear para o gol”, brinca Félix. A saída de Coelho Filho não foi inesperada pela equipe do MME, uma vez que ele já era deputado federal. Com data certa para sair, o plano foi o de trabalhar intensamente para que fosse possível apresentar e aprovar os projetos em um prazo curto, no caso até março. “Trabalhamos como se cada dia valesse por quatro, como se o ano acabasse em 31 de março, montando todas as equações que tínhamos que fazer”, lembra Márcio Félix.

Há outros projetos que impactam o setor que adormecem no Congresso Nacional. Na própria agenda emergencial do governo, está o de autonomia das agências reguladoras. Outros PLs são os que versam sobre a compra de Terras por estrangeiros, o de regulamentação de demarcação de terras indígenas e o de responsabilização do Ministério Público. “O congresso tem uma pauta muito relevante sobre o setor elétrico. O país não pode ficar esperando, esses projetos tangenciam problemas objetivos que tem que ser equacionados no mundo real”, conclui.