O setor elétrico diante do cenário de isolamento social
Por Rui Altieri*
Há mais de um mês, vivemos no Brasil e no mundo um período de exceção, de adoção de medidas contra a pandemia do novo coronavírus que levaram ao isolamento social e, consequentemente, à desaceleração das economias. Alguns efeitos desse cenário para o setor elétrico já são conhecidos e a própria CCEE vem divulgando amplamente os seus estudos, que mostram uma redução média de 14% no consumo de energia das últimas semanas, quando comparadas com o período anterior à quarentena. Para 2020, os especialistas já apontam um PIB negativo, o que nos sinaliza que teremos um ano perdido em termos de crescimento do mercado.
Neste momento de incertezas, em que não sabemos ainda a profundidade e a duração desses impactos, a mensagem que queremos trazer para o setor é de confiança. Temos a convicção de que enfrentaremos mais esse desafio garantindo a segurança e a viabilidade da comercialização de energia.
Até o momento, não temos visto movimentações atípicas que nos pareçam ser um sinal de alerta. Na última liquidação do Mercado de Curto Prazo – MCP, excluídos os efeitos já conhecidos da questão do GSF e situações pontuais que surgiram antes mesmo da pandemia, não houve registro de novas inadimplências. No final de março, realizamos, também sem grandes intercorrências, a rodada do Mecanismo de Venda de Excedentes – MVE, na qual foram transacionados 219,9 MW médios para o período de 3 meses, valores bem próximos das médias recentes.
É certo que temos acompanhado com atenção as notícias publicadas pela imprensa que indicam a possibilidade do uso das chamadas cláusulas de força maior. Entendemos que o recurso é legítimo e que está previsto nos termos contratuais. No entanto, acreditamos que seja o momento dos agentes se sentarem à mesa de negociação. Temos convicção de que os participantes do setor têm condições de chegar a acordos satisfatórios, mantendo a relação de confiança que o setor como um todo conquistou ao longo dos últimos anos.
Vale mencionar que o cenário atual é muito diferente daquele que vivemos no início de 2019, quando uma frustração de afluências previstas e o consequente aumento dos preços gerou certa dificuldade para que determinados agentes cumprissem com a entrega dos volumes contratados por seus compradores. Este novo momento nos apresenta um desafio contrário: temos uma sobra de energia, que está sendo valorada muito próxima ao piso no mercado de curto prazo. Essa conjuntura demanda os cuidados necessários, mas pode ser solucionada com a devida negociação entre os próprios atores do segmento.
Talvez este seja o momento também para retomarmos uma discussão que é bandeira da CCEE: os mecanismos de segurança do mercado. Cada vez mais fica clara para nós a necessidade de debatermos o aporte de garantias financeiras que assegurem a liquidez dos agentes e a viabilidade das negociações. Temos encabeçado ainda as conversas sobre outras ferramentas, como é o caso da chamada de margem semanal, que entendemos que seria um passo importante nesse sentido.
De nossa parte, estamos fazendo todo o possível, dentro do que nos cabe como associação, para auxiliar e operacionalizar as medidas do governo e da agência reguladora que visam apoiar o setor durante o período mais intenso de incertezas. Ajudamos o Ministério de Minas e Energia em sua iniciativa de aportar R$ 900 milhões do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, garantindo os subsídios necessários para que a população mais vulnerável não precise se preocupar com as contas de luz durante os próximos meses. Também fomos rápidos e certeiros na liberação de mais de R$ 2 bilhões para os caixas das distribuidoras e alguns agentes do mercado livre, após a aprovação da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel para que usássemos recursos do Fundo de Reserva para Alívio Futuro de Encargos.
Certamente vivemos um período que é novo para todos e teremos que trabalhar juntos para atravessá-lo. Dentro da CCEE, estamos tomando as nossas medidas, garantindo a saúde de nossos colaboradores, que trabalham agora de forma remota, mas sem causar qualquer interferência para nossas operações. É assim que gostaríamos de ver o setor como um todo passar por esse período: em segurança, debatendo e negociando para garantir sempre o equilíbrio e a viabilização da comercialização de energia.
*Rui Altieri é presidente do Conselho de Administração da CCEE