Oportunidade para reduzir a nossa conta de luz
O governo federal tem adotado um discurso firme em defesa da eficiência econômica e da redução de subsídios e privilégios em todas as esferas. No entanto, o vemos gaguejar na hora de enfrentar políticas que beneficiam o setor agrícola, como é o caso dos encargos que sobrecarregam a conta de luz dos consumidores.
Há muito tempo os poderes Legislativo e Executivo têm aproveitado a conta de luz como fonte de subsídios para diversos setores. Hoje, os encargos equivalem a 16% do valor pago mensalmente pelos consumidores, sendo que o maior deles é a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), correspondendo a 12%.
Seu objetivo é custear políticas públicas do setor, como a universalização do acesso à energia, a concessão de descontos tarifários a setores econômicos estratégicos e o fomento à competitividade de fontes alternativas.
Trata-se de um benefício que não apresenta qualquer mecanismo de saída, de forma que os contemplados recebem a subvenção por prazo indeterminado.
Entre os favorecidos estão distribuidoras de energia – compensadas pela perda de receita decorrente da concessão de descontos tarifários a vários segmentos como o gerador e consumidor de fonte incentivada; pessoas e empresas que exercem atividade de irrigação e aquicultura; a classe rural; companhias de serviço público de água, esgoto e saneamento etc.
Em 2007, destinava-se R$ 2,9 bilhões para a CDE, e, em 2018, já eram R$ 20 bilhões. Esse aumento ocorreu porque, a partir de 2013, foram criadas novas categorias de beneficiários, que também passaram a receber valores de subsídio maiores, garantidos pelo Decreto 7.891.
Além disso, o que antes era em maior parte custeado pela União (cerca de 67%), passou a ser bancado pelos consumidores por meio da fatura de energia elétrica. O incremento representou em média, entre 2015 e 2018, R$ 3,5 bilhões adicionais à Conta. Não bastasse isso, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), de 2015 e 2017 foram apresentados no Congresso 25 projetos de lei sobre CDE, sendo 64% deles para ampliá-la.
No entanto, no final do ano passado, surpreendentemente, foi editado o Decreto 9.642/2018, que prevê redução gradual de subsídios provenientes da fatura de energia elétrica, diminuindo o montante estabelecido no decreto de 2013.
Embora tenha sido um movimento tímido – uma redução de menos de 20% em cinco anos – a iniciativa era positiva, pois ao final reduziria o valor da conta de luz de todos os consumidores e acabaria com a cumulatividade dos benefícios. Porém, já no início da nova legislatura dos deputados federais, foram apresentados oito projetos de decretos legislativos para sustar o Decreto 9.642/2018.
Paralelamente, o Executivo fez um novo decreto, 9.744/2019, no qual mantém a redução do subsídio ao longo de um quinquênio, mas cede à pressão dos ruralistas permitindo a cumulatividade dos benefícios.
Se a CDE tem um mínimo de transparência – pois há algumas informações sobre valores e beneficiados – existe um encargo oculto, um subsídio cruzado, que sequer sabemos quanto pagamos por ele.
Bancado por todos os consumidores, ele beneficia apenas aqueles que geram sua própria energia (geração distribuída), como a solar por exemplo. Isso ocorre porque, de acordo com a Resolução Normativa n.º 482/12 da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) – que neste momento está sob consulta pública – os mini e microgeradores não precisam pagar a taxa de disponibilidade da rede de distribuição e o uso do fio.
Atualmente a tarifa de energia é calculada com base na receita necessária para cobrir os custos de atendimento do mercado com qualidade e remunerar os ativos da concessionária de energia.
Assim, quando alguém sai da repartição do bolo, não pagando pelo uso do sistema, os que ficam arcam com a conta da infraestrutura de distribuição, e, nesse caso, quem está fazendo isso são exatamente aqueles que menos usufruem das vantagens dos subsídios.
Segundo dados da Aneel, 67% da potência instalada em geração distribuída está nos setores comercial e industrial, ou seja, todos os outros consumidores estão pagando para beneficiar esses segmentos.
Também, vale questionar quem são os consumidores residenciais que hoje têm condições de produzir sua própria energia. Isso porque esse grupo investe em média R$ 30 mil em um empreendimento com 5 kW de potência, que é o tamanho médio dessas instalações no Brasil.
Segundo estudo da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), no ranking de tarifas residenciais, o Brasil está na 16.ª posição em relação ao custo da energia, considerando os 33 países integrantes da Agência Internacional de Energia.
Mas quando são considerados os encargos e tributos, somos o quarto país com as tarifas mais caras do mundo. Essa é uma questão grave, que tem consequências sobre o desenvolvimento do país e o bem-estar da população, visto que a energia elétrica é um serviço essencial (Lei 7.783/1989).
Subsídios devem ser estabelecidos apenas quando necessário, e, mesmo assim, com imprescindível sinal de eficiência. A redução na CDE definida pelo Decreto 9.744/2019 diminuirá somente em 2% o valor da conta de luz.
Mesmo assim já gerou um enorme movimento de oposição promovido pelos setores privilegiados, que há anos vêm se escorando nas costas da população. Por isso, é necessária a participação dos consumidores no processo de discussão, como por exemplo na recém-criada Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Consumidores e Energia Elétrica.
A bancada ruralista segue organizada na defesa de seus interesses. O governo federal já deu indícios de como deverá atuar sobre a questão. Agora, resta saber de que forma vão se organizar os setores que lutam pelo interesse público, para garantir a universalização do acesso à energia elétrica, com tarifas mais baixas, melhor qualidade do serviço e transparência dos dados.