Parlamentares ameaçam rejeitar MP do setor elétrico

Parlamentares ameaçam rejeitar MP do setor elétrico

Parlamentares ameaçam rejeitar a Medida Provisória (MP) 814, editada na sexta-feira como parte do plano de privatização da Eletrobras e para resolver problemas de distribuidoras de energia da região Norte e de sistemas isolados. Eles consideram que a MP libera a venda da estatal e de suas subsidiárias sem que o modelo de desestatização precise passar pelo crivo do Legislativo.

A MP revoga artigo de uma lei aprovada em 2004 no governo Lula (PT) para excluir a Eletrobras e suas subsidiárias no Programa Nacional de Desestatização (PND) criado no governo FHC, que previa a reestruturação da empresa com vistas à futura privatização. Sem esse dispositivo, o governo fica autorizado a vender a empresa, dizem parlamentares e especialistas.

Tem crescido entre os deputados e senadores da base a resistência a que o governo abra mão do controle da Eletrobras e, principalmente, de suas subsidiárias. As bancadas do Nordeste e de Minas Gerais lideram o movimento contrário à venda da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) e Furnas. Além disso, a MP também reinclui no plano de desestatização a Eletronorte, Eletrosul e Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE).

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tornou-se porta-voz desse movimento, ao criticar o modo como o governo decidiu dar início aos planos de entregar o controle da estatal para a iniciativa privada, por uma medida provisória, que tem efeito imediato a partir da publicação. “Sou a favor da privatização, mas só via projeto de lei”, disse.

Líder do PP na Câmara, o deputado Arthur Lira (AL) afirmou que também é favorável à redução do Estado, mas que não concorda com “querer vender por vender, sem uma correta avaliação da importância e do preço” dos ativos. “Fazer isso por medida provisória é temerário. Isso vai cair, seguramente, na votação”, disse. “Projeto de lei é mais justo, amplia o diálogo”, completou.

No governo, avalia-se que Maia “tem todo o direito de estar irritado” com a MP, mas que essa resistência se dissipará na volta do recesso, quando a Casa Civil deve enviar ao Congresso o projeto de lei com as regras para diluição das ações do governo na Eletrobras (a União hoje é majoritária, mas reduzirá sua fatia a 40%) e a “descotização” das usinas – ou seja, liberá-las do regime de cotas, que as obriga a vender a energia ao um preço mais baixo do que o de mercado. Em troca, a Eletrobras pagaria um bônus à União, o que poderia render até R$ 20 bilhões ao Tesouro.

Sem o PL, governo ficaria impossibilitado de seguir adiante com o modelo de privatização que anunciou. “O modelo vai ser encaminhado ao Congresso”, assegurou ao Valor o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pai do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho. “Sei que há críticas, mas [a edição da MP] é uma necessidade para que se possa concluir o processo [de privatização] até setembro de 2018.”

O governo não pretende vender ações da Eletrobras, mas aumentar o capital da empresa e, assim, diluir sua participação na companhia. “A ideia é diluir ações, não vender ações. E, com esses recursos novos, comprar usinas hidrelétricas que vão ser ‘descotizadas'”, disse o senador.

Na exposição de motivos da MP, o ministro Fernando Coelho Filho defende que a proposta “não antecipa as discussões de mérito”. “O intuito da revogação é permitir, com plena segurança, que sejam contratados e iniciados os estudos da situação econômica e financeira da Eletrobras”, afirma.

A liberação para privatizar a estatal, diz ele, “é urgente para que não se comprometa a decisão política de desestatização em função de atraso nos estudos necessários, evitando frustração de recursos fiscais em 2018 e de benefícios aos consumidores a partir de 2019”. O governo incluiu R$ 12,2 bilhões no Orçamento deste ano referentes a entrega do comando da estatal para a iniciativa privada.

Mas parlamentares ponderam que, se a MP for aprovada, mas o projeto de lei, rejeitado, o governo ainda sim ficaria livre para vender a estatal, mas num outro modelo que não envolvesse a descotização.

Para o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), a burocracia governamental, “de forma desleal”, introduziu na medida a revogação. “Para os planos divulgados pelo governo, será preciso um projeto de lei de ‘descotização’, mas eles podem vender a parte [das subsidiárias] que não é de geração de energia”, pontuou. O argumento usado para revogar a restrição, argumentou o deputado, é inócuo: “A lei não proíbe que faça estudos, a lei proíbe que venda.”

Enquanto boa parte da resistência à venda da estatal deriva do temor dos políticos de perder ascendência sobre a Eletrobras, alguns creem que as indicações políticas para a diretoria da empresa podem continuar. “A influência política pode permanecer, mas será bem menor do que é hoje”, diz o consultor legislativo do Senado Israel Lacerda de Araújo.