Perspectivas de alteração do mercado livre de energia
Diante da evolução tecnológica, das condições socioambientais, da intensa judicialização e dos sinais de esgotamento do atual modelo do setor elétrico, o Ministério de Minas e Energia abriu a Consulta Pública 33/2017, fundamentada pela Nota Técnica 5/2017, para colher contribuições da sociedade para o aprimoramento ao arcabouço legal, institucional e regulatório do setor elétrico. O objetivo era proporcionar um ambiente de confiança, inovação e competitividade, contemplando critérios técnicos, econômicos e de sustentabilidade socioambiental. Diversos foram os temas tratados na consulta pública, dentre eles alterações no mercado livre de energia elétrica. Diante de tal iniciativa, o presente artigo tratará dos novos desdobramentos referentes ao tema e perspectivas de tais alterações.
O resultado da consulta pública foi refletido no substitutivo ao PL 1917/2015, que foi objeto de diversas emendas e atualmente se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Apesar das diversas alterações promovidas no texto original proposto em decorrência da consulta pública dos temas relativos ao mercado livre, o PL prevê diversas alterações na legislação atual para viabilizar a abertura sustentável do mercado, conforme detalhado abaixo.
Em primeiro lugar, o PL contempla os seguintes limites de carga mínima e datas para abertura do mercado livre aos consumidores cativos: (i) 2020: 2MW; (ii) 2021: 1MW; (iii) 2022: 500 kW; (iv) 2024: 300 kW; e (v) 2026: sem limite de carga para consumidores atendidos em tensão igual ou superior a 2,3 kV. Além disso, até o final de 2022, o Poder Executivo deverá apresentar um plano, a vigorar a partir de 2028, para a extinção integral do requisito mínimo de carga para consumidores atendidos em tensão inferior a 2,3 kV. O PL prevê, ainda, que, a partir de 2021, os consumidores com carga inferior a 500 kW (denominados consumidores varejistas) serão representados por agente varejista na Câmara de Comercialização de Energia (CCEE).
Além disso, e de forma a neutralizar os impactos da abertura de mercado às distribuidoras da energia, o PL prevê a alocação a todos os consumidores do mercado livre dos resultados, positivos ou negativos, das exposições involuntárias das distribuidoras de energia em decorrência da migração de consumidores ao mercado livre. Para tanto, há uma autorização para que as distribuidoras com excesso de energia por exposição involuntária vendam tal energia em mecanismo centralizado a ser regulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Outro impacto da abertura de mercado refere-se ao término da possibilidade de venda exclusiva por empreendimentos de até 5 MW e empreendimentos a partir de fonte solar, eólica, hidrelétrica ou biomassa cuja potência injetada no sistema seja de até 50 MW aos denominados consumidores especiais, que são aqueles consumidores ou conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses de fato ou de direito, cuja carga seja maior ou igual a 500 kW. Ou seja, a partir do momento em que houver a abertura de mercado para clientes acima de 500 kW, estes poderão escolher livremente seu fornecedor, independentemente da fonte e do tamanho do projeto.
Como se vê, estes e alguns outros temas importantes estão associados à abertura do mercado livre de energia e requerem uma análise cuidadosa. Não obstante e tendo em vista que a equipe que estava no governo quando da publicação da Consulta Pública 33/2017 foi alterada, o MME, em dezembro de 2018, publicou nova consulta pública para reduzir os limites de acesso ao mercado livre nos seguintes termos: (i) a partir de 1º/7/2019, os consumidores com carga igual ou superior a 2,5MW, atendidos em qualquer tensão, poderão migrar para o mercado livre; e (ii) a partir de 2020, os consumidores com carga igual ou superior a 2MW, atendidos em qualquer tensão, poderão migrar o mercado livre.
A redução pretendida na nova consulta pública possui respaldo no artigo 15, parágrafo 3º, da Lei 9.074/95, que estabelece que, após oito anos da publicação da lei, o poder concedente poderá diminuir os limites de carga e tensão para migração para o mercado livre. Não obstante haver tal respaldo legal, a consulta pública parece ter a intenção de antecipar a abertura do mercado inicialmente discutida com a sociedade, ainda que os demais temas impactados por esta não sejam avaliados e regulados ao mesmo tempo. Vale mencionar, também, que o prazo para contribuições à consulta pública foi apenas de uma semana.
A abertura de mercado é efetivamente uma realidade nos países desenvolvidos e uma forte tendência a ser materializada no setor elétrico brasileiro no curto a médio prazo. Porém, em nossa opinião, ela deve ser muito bem pensada e estruturada, de forma a garantir um adequado período de transição e a necessária segurança jurídica que o setor requer.