Perspectivas para Racionalização dos Subsídios Custeados pelo Consumidor de Energia Elétrica: CDE

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Perspectivas para Racionalização dos Subsídios Custeados pelo Consumidor de Energia Elétrica: CDE

A CDE é um fundo setorial que, em sua formulação original, tem como objetivo custear políticas públicas do SEB e que, a partir de 2013, centralizou descontos tarifários antes concedidos em cada distribuidora e absorveu outros encargos

O modelo institucional do Setor Elétrico Brasileiro (SEB) passou por reforma nos anos de 2003 e 2004, criando o que se denominou por Novo Modelo do Setor Elétrico. O esforço central desta reforma foi superar as causas e efeitos da crise de oferta de energia elétrica, ocorrida entre 2001 e 2002, ou seja, criar as condições necessárias à retomada dos investimentos para a expansão da capacidade produtiva em geração e transmissão.

Nesta perspectiva, o Novo Modelo do Setor Elétrico estabeleceu três objetivos: garantir a segurança no suprimento de energia elétrica; promover a inserção social, através de programas de universalização do serviço; e promover a modicidade tarifária. Como instrumento para garantir e viabilizar o primeiro e mais importante objetivo (segurança da oferta), foi recomposto o planejamento do SEB, através criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Além disso, a metodologia dos leilões das linhas de transmissão criada em 2000 foi adotada também para o segmento de geração, possibilitando uma expansão da capacidade produtiva destes dois segmentos, o que eliminou, até hoje, os riscos de crise de oferta.

No que se refere ao segundo objetivo (inserção social), o modelo foi bem-sucedido em promover a universalização do serviço e, em pouco mais de uma década, o programa Luz para Todos conseguiu beneficiar mais de 16 milhões de consumidores, reduzindo a percentagem em um dígito as famílias sem acesso à energia elétrica.

Quanto à promoção da modicidade tarifária, terceiro objetivo ainda não obteve sucesso, muito pelo contrário, sendo consenso de que a tarifa de energia elétrica deveria e poderia se situar em patamares menores. Esta será a questão e foco analítico do presente artigo. Merece ser destacado que a questão das tarifas é complexa e não há a pretensão de esgotar o tema, mas sim de contribuir com o processo de exame e discussão, estabelecendo, aqui, um enquadramento centrado na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

De acordo com dados coletados pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), mais de 40% da tarifa final de energia elétrica destina-se ao pagamento de encargos e tributos, onerando de forma significativa a fatura do consumidor brasileiro. Excluindo da análise os impostos como ICMS e PIS/COFINS, que representam quase 30% da fatura e merecem ser tratados em outra análise, uma importante rubrica da estrutura tarifária, cerca de 10%, refere-se ao custeio da CDE, hoje o principal encargo individual do Setor Elétrico.

A CDE é um fundo setorial que, em sua formulação original, tem como objetivo custear políticas públicas do SEB e que, a partir de 2013, centralizou descontos tarifários antes concedidos em cada distribuidora e absorveu outros encargos. Dentre as suas diversas utilizações, destacam-se:

  1. Universalização do serviço de energia elétrica;

    ii. Concessão de descontos tarifários a diversos usuários, como de baixa renda, rural, serviço público de água, esgoto e saneamento, geração e consumo de energia de fonte incentivadas, etc.;

    iii. Modicidade tarifária em sistemas isolados, através da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC); e

    iv. Subsídio para geração a partir da fonte carvão mineral nacional.

A fonte dos recursos da CDE para custear está grande e diferenciada quantidade de subsídios são, basicamente, as quotas anuais pagas por todos os agentes que comercializam energia elétrica com o consumidor final, mediante encargo tarifário incluído na TUSD e TUST. Além disso, há outras fontes secundárias, como pagamentos de concessionárias e autorizadas pelo Uso de Bem Público, multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e transferência de recursos do orçamento geral da União. Destaca-se que cerca de 70% do custeio da CDE advém das ”Quotas CDE – Uso”, suportadas integralmente pelo consumidor.

Examinando a evolução da CDE, constata-se que, após um período de tendência de redução, entre 2015 e 2017, o seu orçamento cresceu de maneira significativa em 2018. A revisão extraordinária do orçamento da Conta pela ANEEL, realizada no início de setembro, definiu um novo valor de R$ 20,53 bilhões, representando um aumento real de 17,35% em comparação ao total aprovado em 2017.

Diante deste cenário, em que a CDE representa um importante e crescente peso à fatura do consumidor, pensar em meios de racionalizar, ou seja, reduzir, esta Conta é um tema que merece ser tratado e amplamente discutido.

Neste processo de avaliação da CDE e dos subsídios que a formam, uma primeira abordagem é a distinção entre políticas de cunho social e políticas orientadas para correções de imperfeições de mercado, conforme inúmeras contribuições à Consulta Pública n.º 45/2018 do Ministério de Minas e Energia. A primeira categoria, dos subsídios de cunho social, justifica-se pelo preceito constitucional de que o fornecimento de energia elétrica é um serviço público. A segunda, por sua vez, se baseia na ótica de que o Estado, enquanto responsável pelo planejamento do SEB, através de decisões do Congresso Nacional, deve atuar para corrigir ou mitigar eventuais falhas de mercado, através de leis ou políticas públicas.

Com base nesta dupla categorização, deve-se observar que as políticas de incentivos destinadas à correção das imperfeições de mercado devem se apoiar em critérios de avaliação de resultados, para que não haja subsídios inadequados. Ao mesmo tempo, devem respeitar e conter algum critério de temporalidade ou de quantidade, pois, caso contrário, tendem a se tornar ”um direito adquirido“, desrespeitando suas justificativas originais, atingindo montantes elevados, difíceis de justificar e, com destaque, determinando uma alocação ineficiente de capital, como explicam os livros elementares de microeconomia.

Os benefícios sociais, apesar de sua nobre justificativa, também devem passar por uma análise de razoabilidade econômica e pertinência, considerando que suas aplicações comumente acarretam em externalidades positivas a toda a sociedade, que devem ser consideradas na análise de custo-benefício.

A partir destas considerações gerais, pode-se apresentar uma análise mais específica das principais rubricas previstas na CDE, desenvolvida em seguida.

A principal rubrica de despesa diz respeito aos descontos tarifários na distribuição, representando 41,7% do total da Conta, para 2018. Ali encontram-se subsídios de diversas naturezas, com descontos para:

  1. Classe rural (39,1% do total aplicado);

    ii. Consumidores e geradores de fontes incentivadas (3,4% e 27,0%);

    iii. Atividade de irrigação e aquicultura em horário especial (11,2%);

    iv. Serviço público de água, esgoto e saneamento (10,0%); e

    v. Agente de distribuição com mercado próprio inferior a 500 GWh/ano (9,3%).

Deve-se destacar, com a devida ênfase, que quase um terço do orçamento desta rubrica se destina a subsídios de fontes incentivadas, incluindo tecnologias já maduras, em estágio avançado de desenvolvimento e competitividade, como as fontes eólica e solar, com cadeias produtivas consolidadas. Neste sentido, é imprescindível avaliar, de forma isenta e dentro da racionalidade econômica, a validade e eficácia deste subsídio. Um dos argumentos mais fortes para a revisão destes subsídios são os resultados dos últimos Leilões de Energia Nova, em que as fontes eólica e solar resultaram em valores claramente competitivos. Os resultados favoráveis obtidos nos leilões, implicam na concessão de descontos tarifários a cada um dos novos empreendimentos, que onerarão no futuro a CDE ainda mais.

Embora tenha um caráter social importante, a CCC atualmente responde por 28,5% do total previsto da CDE para 2018, totalizando R$ 5,85 bilhões. Dado o peso que esta rubrica possui, torna-se relevante pensar em alternativas à sua manutenção. Por exemplo, a efetiva conclusão da linha de transmissão Manaus-Boa Vista será fundamental para tornar o fornecimento a Roraima mais seguro e muito mais barato.

Para se ter dimensão desta solução, o custo anualizado do parque térmico de Roraima é de, aproximadamente, R$ 1,2 bilhão, enquanto a linha de transmissão tem um custo de execução de R$ 1 bilhão e uma Receita Anual Permitida (RAP) de R$ 121 milhões. Assim, basta um ano de abastecimento de Roraima com a atual configuração térmica para cobrir todo o investimento de construção e manutenção desta linha. Inaugurada a linha, o abastecimento de energia tende a ficar substancialmente mais barato do que atualmente. No entanto, a obra está parada há anos devido a problemas no licenciamento ambiental, pois atravessa extensa área indígena.

Por outro lado, dados os objetivos e a natureza da CDE, é imprescindível a manutenção de algumas despesas de cunho de política pública social, desde que devidamente gerenciadas.

Neste sentido, destacam-se duas rubricas importantes para o combate à pobreza energética. A primeira é a universalização do fornecimento, que possibilita o acesso físico à rede para diversos consumidores vulneráveis localizados em áreas ainda sem rede de distribuição. No entanto, deve-se ter em mente que apenas a ligação física não garante o acesso à energia elétrica, em função do peso da tarifa sobre a renda destes consumidores socialmente menos favorecidos. Justifica-se, assim, a presença da Tarifa Social, que concede descontos na fatura de energia elétrica a consumidores de baixa renda e outros beneficiários vulneráveis.

Para o ano de 2018, a política pública da Tarifa Social terá um custo total de R$ 2,44 bilhões, ou seja, 12,2% do orçamento total da CDE. O Programa Luz para Todos, por sua vez, está orçado em R$ 940 milhões, representando 4,7% do orçamento total da CDE. Ressalta-se, no entanto, a necessidade de se acompanhar de forma mais minuciosa a concessão destes benefícios para que não haja ineficiências na alocação do recurso, como, por exemplo, a aplicação de descontos a famílias que não se enquadram nos critérios da Tarifa Social.

Conclui-se, portanto, que a tarifa paga pelo consumidor de energia elétrica se encontra é elevada e merece profundas revisões, visando a modicidade tarifária, uma das políticas públicas mais estratégicas e dinâmicas da economia brasileira, em função das externalidades positivas (ou negativas) que ela permite. Neste sentido, a racionalização da CDE, principal encargo do Setor, é imperativa, sobretudo no que diz respeito aos incentivos a fontes de geração já maduras, como a eólica e solar, e à CCC para atendimento aos Sistemas Isolados, através de termelétricas a óleo diesel e combustível. Por outro lado, não se deve deixar de acompanhar de perto a eficiência dos programas de cunho social, os quais, apesar de sua importância, possuem peso significativo na conta de luz do consumidor.