Por que abrir o mercado de energia elétrica?

Por que abrir o mercado de energia elétrica?

No Brasil os poucos consumidores que podem e exercem o direito de comprar livremente sua energia obtiveram, em média, 23% de economia em relação àqueles consumidores cativos dos monopólios regionais nos últimos 15 anos.

A possibilidade de todos os consumidores poderem escolher livremente seu fornecedor de energia elétrica é uma reivindicação antiga dos comercializadores de energia, como sabem todos aqueles que atuam nesse setor.

Para a grande maioria dos consumidores brasileiros, contudo, essa bandeira tem pouco ou nenhum significado, resultado de décadas de desconhecimento e da falta de opções. Depois de anos tentando convencer os formuladores da política setorial das enormes vantagens da abertura do mercado, haja vista que já foi adotada na maior parte do mundo civilizado, onde os ganhos são facilmente percebíveis pelos maiores interessados – os consumidores -, verifica-se que pouco mudou no Brasil, talvez porque os interesses associados à manutenção de monopólios sejam preponderantes, ou quem sabe porque o controle de preços pelo Estado, mais do que uma concepção ideológica de alguns, é uma ideia arraigada na mente de grande parte dos brasileiros, que costumam responsabilizar o governo de plantão pela elevação do preço de qualquer coisa, ainda que esse governo não tenha qualquer responsabilidade sobre o ocorrido.

Ante esse quadro, parece oportuno levar esse debate a um público maior, de forma a demonstrar à sociedade como a mudança da forma pela qual cada empresa e cidadão compra sua energia pode contribuir para preços mais aderentes à disponibilidade energética do País e o quanto a permanência do atual modelo comercial do setor elétrico no Brasil atrapalha nosso desenvolvimento.

Talvez se deva começar por lembrar um conceito simples de cidadania, que se traduz na liberdade de escolha de um produto que pode ser fornecido por centenas de diferentes fornecedores – no caso, geradores e comercializadores. Não é erro dizer que à maioria das pessoas, físicas ou jurídicas (donos/administradores de empresas), jamais ocorreu que a energia elétrica é um produto que pode ser-lhe oferecido sob forma concorrencial, não sendo necessariamente uma compra compulsória de uma única empresa.

Essa ideia de cidadania, de empoderamento do consumidor, por seu turno, longe de ser um conceito abstrato, pode ser concretamente demonstrada por exemplos dentro e fora do País. No Brasil os poucos consumidores que podem e exercem o direito de comprar livremente sua energia obtiveram, em média, 23% de economia em relação àqueles consumidores cativos dos monopólios regionais nos últimos 15 anos, como demonstram os números obtidos pela Abraceel. Esse percentual aplicado aos volumes adquiridos por tais consumidores resultou em valores economizados superiores a R$ 80 bilhões no período.

No exterior, em todos os países da comunidade europeia, na Austrália e Nova Zelândia, a liberdade de escolha é total para todos os consumidores, assim como acontece em outros gigantes econômicos como Japão e Coreia do Sul. Essa liberalização ocorreu a partir do final dos anos 90 e não aconteceu por acaso, mas por ser a competição a forma mais adequada para promoção da eficiência. Evidentemente, países como Alemanha e Inglaterra não promovem mudanças dessa ordem sem uma forte motivação econômica.

Do outro lado do Atlântico, na América do Norte, Estados Unidos e Canadá, com sua tradição de independência dos estados e províncias, a abertura do mercado não ocorreu de forma igual nas diversas regiões dos dois países, o que permite um campo de observação singular. Com efeito, nos 16 estados americanos em que existe a liberdade de escolha do fornecedor de energia elétrica (informação obtida da American Coalition of Competitive Energy Suppliers), os preços livremente negociados são cerca de 14% inferiores aos que têm tarifas reguladas.

Além desses, outros países já estão em estágios mais avançados do que o Brasil no que diz respeito à abertura de seus mercados de consumo. De fato, em termos de liberdade de escolha, ostentamos a desonrosa 55ª posição, sendo superados, inclusive, pela maioria de nossos vizinhos latino-americanos. Entre todos os países que detêm algum grau de abertura de mercado, o Brasil é o país que impõe o maior requisito de carga para um consumidor ser livre. Como a Lei (9.074/95) que delega ao poder concedente (o MME) a possibilidade de deliberar sobre a abertura do mercado é de 07 de julho de 1995, estamos há 23 anos postergando uma decisão, que é simples, permitir que cada brasileiro possa optar de que quem e de onde compra a energia elétrica que consome. O curioso é que depois desse tempo todo, pasme-se, perdura o discurso de que a concretização da abertura necessita de mais estudos! Por óbvio, tratando-se de uma faculdade e não de uma obrigação, cabe perguntar que estudos são esses, que terão o condão de definir se uma empresa ou cidadão pode ou não exercer seu direito de escolha?

Para os que consideram que não é uma decisão simples, explica-se: a abertura do mercado que se pretende não é compulsória, é opcional, de livre arbítrio de todos os consumidores. Sendo assim, a mera alteração legal que flexibilize a possibilidade de acesso ao mercado livre por certo não implica a migração súbita e em larga escala de nossos 80 milhões de consumidores, como temem muitos, uma vez que simplesmente não existe oferta disponível de energia no mercado livre para todos, tampouco existe expertise para que geradores ou comercializadores passem a atender em curto espaço de tempo um mercado de massa. Essa solução, no entanto, tem o condão de interromper a esdrúxula tutela do Estado sobre o poder de decisão dos cidadãos e empresas, ao encerrar o monopólio de venda de energia elétrica. Tal providência permitirá que vendedores e compradores passem a atuar livremente, e estabeleçam as formas de comercialização mais adequadas a cada um.

A mudança evidentemente exigirá uma adaptação da regulamentação setorial, possivelmente tornando-a mais simples e compreensível, sem a necessidade de regras para comportar as inúmeras restrições hoje existentes, e certamente requer mais flexibilidade na possibilidade de migração da energia entregue ao mercado cativo, para progressivamente atender ao chamado mercado livre. A abertura do mercado indubitavelmente será gradual, preservando na íntegra os contratos hoje existentes, entre as distribuidoras e os geradores e comercializadores de energia, sem prejuízo para ninguém.

Mas por que se propõe a abertura? Seria a competição a razão preponderante para os preços serem mais baixos no Brasil entre os consumidores livres? Provavelmente sim, considerando que os consumidores passam a ter várias opções para compra, ao invés de um único fornecedor que oferece tarifas determinadas pelo Estado, estabelecidas com base em planilhas e cálculos tão complicados que poucos compreendem.

É importante compreender que as tarifas de energia incorporam custos que não estão presentes nos preços livremente negociados, fazendo com que essas progressivamente percam competitividade. Se por um lado a compra de contratos de longo prazo via leilões regulados estimula a expansão da geração, por outro lado a indexação dos preços da energia por 30 anos a índices inflacionários – que não refletem, por exemplo, a enorme redução de preço ocorrida em algumas fontes, como a eólica e a solar – pode trazer um custo adicional indesejado. De fato, alguns contratos antigos são mais caros que a energia nova. As tarifas reguladas também incorporam várias formas de subsídios a terceiros, uma velha prática brasileira, que coloca na conta dos consumidores cativos todos os subsídios que se possa imaginar, quase sempre atendendo a interesses específicos, e normalmente sob o mote de que é apenas um pouquinho a mais, que não será percebido pelos pagadores.

Muitos dos subsídios hoje presentes nas tarifas provavelmente tiveram propósito singular benéfico, mas sua somatória certamente representa um enorme encargo para todos.

Recentemente tivemos comprovação explícita dessa forma de proceder, quando da apresentação de emendas à MP 814. Dentre as “bondades” propostas, foi sugerido que os consumidores passassem a arcar com o custo adicional do preço do gás natural fornecido a usinas do PPT. Como se sabe, essas usinas assinaram contratos com as distribuidoras, que repassam o custo a seus consumidores. Ora, qualquer consumidor que tivesse ciência de ter assinado contratos de longo prazo certamente teria se considerado protegido de oscilações futuras do preço do combustível. Ledo engano. O fornecedor do gás opta por não entregar o gás a preço que considera não ser suficiente para remunerá-lo adequadamente e prefere pagar a multa contratual. Na falta do combustível o gerador não tem como gerar e declara–se indisponível ao operador do sistema.

Como tem que honrar seus contratos de venda, deve comprar energia de terceiros ou no mercado spot, o que lhe impõe custos adicionais. Qual a solução mágica? Colocar o custo no consumidor e assim preservar as margens do fornecedor de combustível e do gerador, é claro! Este redator ouviu de graduado assessor do Congresso Nacional o velho jargão de que tarifas públicas são pagas pelo consumidor ou pelo contribuinte, e assim, não restaria alternativa a não ser acatar a emenda. Convenientemente olvidou-se que no caso existem terceiros (muito) interessados, ou que em um contrato privado entre duas partes, os riscos associados ao objeto do contrato devem ser suportados unicamente por seus signatários! O montante da conta a ser entregue aos consumidores, a propósito, está muito bem detalhada em carta enviada pela ANEEL ao relator da matéria na Câmara Federal.

Com intuito similar, propôs-se prorrogar contratos de comercialização celebrados antes de 2004 até o fim das outorgas das respectivas usinas, cujos preços são maiores do que novos contratos. Isso seria feito, é óbvio, à total revelia dos consumidores que os pagam. Pode-se conjecturar que, se levada a efeito, a medida serviria de estímulo à prorrogação de outros contratos muito caros. Que tal prorrogar também os contratos do PROINFA? Seria uma conta e tanto!
Com o mesmo oportunismo populista, prevê-se ampliação de subsídios a cooperativas, a serem pagos, é claro, pelos consumidores das distribuidoras próximas.

Em suma, enquanto as tarifas tiverem que arcar com a ineficiência de terceiros, dificilmente a conta de energia poderá cair para os consumidores cativos. O interessante (ou lamentável), é que a despeito disso, muitos continuam defendendo o modelo vigente. Por que será?

Ante esse cenário, a Abraceel vem divulgando uma cartilha, com objetivo de sensibilizar não só os tomadores de decisão, mas também os que pagam a conta, que apresenta razões para aprovar a liberalização do mercado de energia elétrica e as mudanças no modelo comercial do setor:

Portabilidade da conta de luz: o direito de escolha permitirá que 80 milhões de consumidores brasileiros possam optar por seu fornecedor de energia, como hoje já ocorre na telefonia. A portabilidade poderá gerar uma economia de R$ 12 bilhões por ano nas contas de energia dos consumidores.
Opção por energia limpa: consumidores podem escolher comprar energia de fontes renováveis, como eólica, solar, biomassa, resíduos sólidos e hidrelétricas de pequeno e grande porte.
Estímulo à geração distribuída: possibilitando que os consumidores produzam, utilizem e comercializem a própria energia gerada em suas residências ou negócios.
Igualdade de acesso: atualmente apenas grandes indústrias e comércio podem acessar o mercado livre. Quanto mais rápido o direito de escolha for implementado no Brasil, mais rapidamente os preços da energia serão reduzidos. A Abraceel defende a portabilidade da conta de luz para todos os consumidores em 2024. Com a mudança, todos irão se beneficiar!
Indústria competitiva: mais de 6 milhões de indústrias, estabelecimentos comerciais e agronegócios no Brasil terão o direito de ir para o mercado livre de energia. Nos últimos 15 anos, os preços da energia no mercado livre foram em média 23% mais baratos que as tarifas reguladas das distribuidoras. Isso representa um potencial de redução de R$7 bilhões ao ano nos custos de energia do setor produtivo.
Geração de empregos: estima-se que a compra de energia mais barata possibilitará a geração de mais de 420 mil novos postos de trabalho por ano, com o aumento da competitividade do setor produtivo.

  • Novos produtos e serviços: a livre escolha incentiva a competição entre os fornecedores e a oferta de produtos diversificados aos consumidores, adequados às necessidades de cada um.
  • Transparência de preços: incentiva o consumo em momentos de maior oferta e sinaliza a escassez, proporcionando eficiência no uso da eletricidade.
    Pressão inflacionária: a redução de preços e a desindexação de contratos reduz o estímulo à inflação.
    Novas fontes de financiamento: a competição estimula o surgimento de novas fontes de financiamento e produtos financeiros na área elétrica, dinamizando o mercado, gerando novos empregos e renda.