Quem quer mesmo privatizar o Sol?
Francisco Soares*
Nesses tempos estranhos, uma narrativa agita o mercado de energia de geração distribuída on grid no formato net metering, afirmando que a ANEEL quer privatizar o sol. Tal afirmação é injusta e assustadora. Um fake que pode acabar parecendo verdade.
Importante dizer que, desde 2004, como membro do Fórum Nacional dos Secretários de Energia já palestrava internamente sobre a necessidade de haver uma resolução da ANEEL para a regulamentação da GD. Hoje vejo, satisfeito, o estabelecimento desse nicho de mercado onde o payback médio se dá em excepcionais 4 anos e a Taxa Interna de Retorno (TIR) gira em volta dos 30% e cuja consolidação é muito importante para diversificação da matriz energética nacional, para o meio ambiente e para a geração de renda, com inúmeros e incalculáveis benefícios para o Brasil e para o mundo.
Dito isso, quero me debruçar sobre a pegadinha dessa contagiante narrativa de privatização do sol. Há um charme inicial invocado pelo dizer bíblico que o sol nasce para todos e um corolário maldoso que a ANEEL estaria disposta a impedir seu uso. Paradoxalmente, este vigoroso debate que contamina a sociedade brasileira com reflexos nos Três Poderes, parece estar ocorrendo na escuridão e nas trevas da desonestidade intelectual.
Para um bom entendimento é imperioso dizer que o sistema de distribuição de energia elétrica é uma espécie de condomínio no qual os consumidores pagam pelo uso dos serviços prestados pelas distribuidoras através de seus ativos. Pelo regramento, o consumidor de energia, gerador distribuído, não paga pelo uso do “fio”, mesmo sendo usuário da rede durante boa parte do tempo. Sabe-se que a geração solar fotovoltaica depende da boa aparição do sol.
Por analogia, considere um condomínio que para atrair moradores, liberou o pagamento das taxas de gás e água, por 10 anos. Vencido o prazo, resolveu fazer a reanálise da vantajosidade desse benefício.
Corretíssimo imaginar que moradores beneficiados reclamem da possibilidade de perda do direito e exijam sua manutenção, pois eles trouxeram mais ganhos do que perdas. Apontam as inúmeras vantagens decorrentes para a valorização do condomínio, do bairro, e até para a microeconomia local , etc.
Entre os defensores do benefício, encontram-se até mesmo os que nunca receberam e nem receberão tal isenção, contagiados pelo discurso fácil do ganho condominial, sem se darem conta que eles é que pagarão as contas dos vizinhos mais afortunados.
Guardando as devidas proporções, é isso que ocorre no mercado de energia, onde os GDs apesar de terem trazido muitas vantagens e ganhos para o Brasil, não arcam com as taxa do uso do fio (TUSD e TUST).
Entretanto, se eles não pagam, alguém paga. E esse alguém tem nome e sobrenome. É o consumidor de energia.
O pior é que esse consumidor que já paga uma conta muito alta, menos pelo valor dos serviços e mais pelos penduricalhos governamentais, encargos setoriais e altos impostos, vai continuar bancando a sobrecarga embutida em sua conta mensal pelo custo do fio. E olhem que o fio tal qual o sol, atende a todos, sem exceção e melhor, funciona como um banco de baterias barato, limpo e eficiente.
Dito isso fica a pergunta óbvia: se fossemos utilizar o critério de justiça social, quem deveria pagar pelo custo do “fio“ ? Esse fio que permite que eu, você leitor e todos os outros consumidores e os GDs, possamos desfrutar da energia elétrica universalizada para quase 99% dos lares do Brasil?
O consumidor, o usuário ou o contribuinte? O mais rico ou o mais pobre? Para mim, quem deveria pagar seria o consumidor e o usuário, neste caso, o GD, que também é o mais rico, via compartilhamento a ser ajustado pela ANEEL.
Só assim sairíamos dessa narrativa tosca da privatização do sol e passaríamos a pensar seriamente como abandonar esse sistema “ hobhoodiano” às avessas.
*Francisco Soares, engenheiro eletricista, mestre em Energia e Ambiente, ex-conselheiro fiscal da Eletrobras, ex-secretário de Minas e Energia do Estado do Maranhão e consultor do Conacen