Renegociação em Itaipu precisa ser transparente
Brasil e Paraguai retomaram as negociações sobre a contratação de energia de Itaipu. Espera-se que, desta vez, sejam conduzidas em bases técnicas, sem precipitações de governos ou interferências indevidas derivadas de interesses políticos e privados.
É necessário bom senso. Itaipu é um assunto de Estado, sempre prioritário. Trata-se de obra diplomática que pacificou a fronteira Sul e a transformou numa zona economicamente próspera, com dividendos para os dois países.
Para o Brasil, a usina é garantia de suprimento de 15% das necessidades energéticas. É a principal fonte de abastecimento do parque industrial das regiões Sul e Sudeste.
Para o Paraguai, tem outra dimensão. Responde por dois terços do Produto Interno Bruto. Despeja US$ 1 bilhão por ano na economia local, equivalente ao total de impostos das 500 maiores empresas paraguaias.
Itaipu tem a peculiaridade de ser uma empresa binacional. Pelo acordo, cada dólar gasto em um lado da fronteira deve, obrigatoriamente, corresponder ao dispêndio de um dólar na outra margem do Rio Paraná.
A negociação atual dos contratos é preparatória à revisão das condições estabelecidas no Anexo C do tratado de construção da usina há 43 anos. É uma fase de transição.
O Brasil quis acelerar essa etapa, com definições para a revisão de preços em 2023. Pressionou pela celeridade, no final do governo Temer, quando decidiu suspender uma fatura de US$ 54 milhões relativa à compra de energia.
O governo Bolsonaro manteve a pressão, natural numa negociação comercial, mas se precipitou na tentativa de reduzir o custo da energia comprada pelo Brasil. Um pré-acordo foi assinado em maio. Veio a público no Paraguai, onde prevaleceu a interpretação de que favorecia o Brasil e lesava interesses paraguaios.
O governo de Mario Abdo Benítez, há um ano no poder, quase foi derrubado pela oposição, que conseguiu unir e mobilizar o país em manifestações de rua. Diante da reação, que incluiu protestos diante da embaixada brasileira, Abdo Benítez anunciou a decisão unilateral de cancelar o pré-acordo assinado.
A retomada da negociação agora ocorre entre equipes técnicas, como deveria ter sido. O fracasso anterior impõe a exigência adicional de que transcorram em absoluta transparência, sem subterfúgios e, muito menos, interferências indevidas, como se viu na tentativa de conceder a uma empresa privada brasileira o monopólio na comercialização de uma cota paraguaia (300 MW) da energia gerada — algo que é inviável pelos termos do tratado.
Itaipu é um monumento político à paz na fronteira Sul, erguido na memória de uma guerra devastadora (1864-1870). É assunto de Estado entre Brasil e Paraguai. Não importam as circunstâncias, muito menos os governos, não se pode e nem se deve relevar esta premissa.