Volta ao passado ou passo para o futuro?

Volta ao passado ou passo para o futuro?

Em uma iniciativa surpreendente, o governo federal decidiu captar recursos junto ao mercado para duas estatais: a Eletrobras e a BR Distribuidora. Embora semelhantes à primeira vista, as ofertas de ações dessas duas companhias são radicalmente distintas. Enquanto o modelo de capitalização da Eletrobras é inovador, capaz de criar um novo paradigma para as privatizações no Brasil, a venda de ações da BR Distribuidora é uma simples volta ao passado.

Não custa lembrar que a BR Distribuidora já teve suas ações listadas na bolsa, num modelo praticamente idêntico ao que está sendo adotado agora: negociação de parte das ações no mercado, com manutenção do controle pela Petrobras. E a história acabou mal. Depois de várias conflitos entre Petrobras e acionistas minoritários, os quais exigiram intervenção da CVM, a Petrobras optou por fechar o capital da companhia.

Sociedades estatais de economia mista, como a que o governo pretende criar com a oferta da BR Distribuidora, são entes paradoxais, pois conseguem conjugar desvantagens do setor privado e do setor público. De um lado, o Estado tem uma vantagem sobre o setor privado para levantar recursos, pois pode emitir dívida a um custo relativamente mais baixo. Por outro lado, as empresas controladas pelo Estado são muito menos eficientes e, com frequência, mais corruptas.

Inexplicavelmente, sociedades de economia mista captam capital privado, que é mais caro, e o colocam sob gestão do setor público, que é menos eficiente. É isso o que está sendo feito com a BR Distribuidora agora: o governo está lançando uma oferta pública, que será subscrita pelo mercado com um significativo desconto, enquanto o controle da companhia continuará pertencendo à União, com todos os problemas que isso acarreta.

Sem prejuízo de tudo mais que vem fazendo a brilhante gestão atual, a Petrobras deveria ter seguido o modelo proposto pelo governo para a Eletrobras. Conforme anunciado, a Eletrobras pretende realizar uma oferta primária de ações, na qual a União não venderá sua participação, mas a verá ser significativamente diluída, a ponto de deixar de ser controladora da empresa. A interferência do Estado sobre a companhia será ainda evitada por meio de uma regra estatutária que limitará o direito de voto de qualquer acionista, incluindo a União, a 10% do capital.

Após a oferta, portanto, a Eletrobras deixará de ser uma empresa estatal, passando a ser controlada por acionistas privados dispersos no mercado. Sua gestão deixará de sofrer com as amarras e vicissitudes estatais, sendo capaz de gerar enorme valor para os acionistas. Aí reside, aliás, um dos aspectos mais interessantes do modelo. Já que a União não venderá suas ações, ela poderá se beneficiar dos ganhos que a gestão privada mais eficiente trará para todos os acionistas.

É claro que precauções devem ser tomadas para que esse modelo seja efetivo na prática. De um lado, é preciso criar mecanismos para assegurar que, de fato, a gestão da companhia passe para mãos privadas. As mudanças necessárias na gestão não serão feitas se o governo continuar gerindo ou influenciando a companhia por meios indiretos, tais como golden shares com poderes excessivos, influência desmedida no conselho e participações societárias detidas por bancos estatais e fundos de pensão.

Por outro lado, é preciso evitar uma das armadilhas comuns às companhias sem controlador definido: a captura da companhia pela administração. Para tanto, existem diversos mecanismos societários apropriados, como permitir que a limitação de direito de voto a 10% do capital fosse automaticamente eliminada caso um acionista ou grupo acumulasse mais de 50% do capital por meio de uma oferta pública de compra de ações. A simples possibilidade de uma oferta desse tipo já ajudaria a disciplinar a gestão da companhia.

Por fim, o governo federal deveria considerar seriamente a hipótese de dividir a Eletrobrás em várias companhias regionais, antes ou depois de privatizá-la. Essa repartição fomentaria a competição no setor e impediria que uma só companhia privada controlasse uma parcela tão grande da geração de energia do país. Entendemos que uma repartição desse tipo apresenta desafios, mas existem exemplos bem-sucedidos nesse sentido.

Note-se que o modelo proposto para a Eletrobras não é uma jabuticaba. Privatizações por meio de ofertas públicas de ações já foram realizadas com enorme sucesso em diversos países. As lições aprendidas nesses países podem inclusive ajudar no processo brasileiro, sobretudo no que tange às formas utilizadas para que trabalhadores e demais cidadãos pudessem participar das ofertas, atenuando assim a resistência que as privatizações sempre enfrentam.

Essa resistência é, na verdade, o grande risco que a Eletrobras enfrenta nesse momento. Infelizmente, a oposição à privatização não vem só daqueles que, de boa fé, acreditam que manter a companhia como estatal é o melhor para o país, ou dos trabalhadores que temem perder seus empregos com a privatização. A resistência mais forte, e mais danosa, vem sobretudo de políticos e alguns funcionários e administradores que, durante anos, serviram-se da companhia para seus próprios fins.

O governo federal precisa seguir firme e enfrentar essas resistências, dialogando com a sociedade e os funcionários, e resistindo aos interesses ilegítimos que pretendem impedir o processo. A janela de oportunidade para executar essa tarefa é curta, tendo em vista a proximidade das eleições em 2018. Mas seria uma pena perdê-la. Temos uma chance única de transformar a Eletrobras numa companhia melhor e, de quebra, criar uma forma mais inclusiva de realizar privatizações no país.